Um leitor do Clube dos Poupadores me enviou um e-mail com o seguinte título: “tenho alguma chance de resposta a este e-mail de um desesperado?”. Tive que parar tudo que estava fazendo para responder, pois não é todo dia que alguém “desesperado” precisa de resposta. Resolvi responder através deste artigo e não por um e-mail individual. Assim, poderia ajudar outros leitores que enfrentam esse mesmo tipo de desespero.
Você verá que o desespero do leitor não tem relação com risco de morte, doença ou qualquer tragédia. Na verdade, muita gente gostaria de ter o problema dele como o grande problema da vida neste momento.
Isso não torna a situação menos grave dentro do universo mental e emocional desse leitor. Você verá que ele sofre um clássico conflito entre o QUERER, PODER e DEVER.
Já falei em outros momentos que devemos fazer um teste sempre que estivermos diante de uma decisão, especialmente uma decisão envolvendo dinheiro e tempo. Esse teste consiste em fazer a seguinte pergunta diante da dúvida:
- Será que eu realmente quero?
- Será que eu realmente posso?
- Será que eu realmente devo?
- Será que precisa ser agora?
Vamos ver a história do leitor desesperado. Para evitar constrangimento não vou revelar o nome do leitor.
Bom dia,
Estou fazendo contato, estou nervoso e ansioso.Mas… preciso de ajuda.
Sou um jovem que montou família cedo. Aos 23 anos já tenho esposa e duas lindas filhas.
Como toda história clichê, fechava todo mês no cheque especial, não sabia quanto ganhava muito menos quanto gastava, sempre tinha que pedir dinheiro emprestado para os pais por não ter mais limite no cheque especial.O destino e a sorte colocaram um artigo do site na minha frente, foi onde comecei a ler sobre o assunto de finanças e afins.
E a mágica aconteceu.E em 8 meses consegui ficar no azul todo mês, não devo mais cartão de credito nem cheque especial e melhor, já juntei metade do meu colchão financeiro.
Agora a pergunta, a dúvida que me está deixando em crise existencial…
Gastar o dinheiro do colchão financeiro em uma viagem para praia?
Não é o objetivo desse dinheiro. Mas deixar de viajar?
E agora? O que me diz?
Um abraço,
Minha resposta:
No início da mensagem você deixou claro que sabe como é o sofrimento gerado pelo descontrole financeiro. Não ocorreu nenhuma mágica. Você primeiro assumiu que tinha um problema. Sem esse importante passo nada teria acontecido. Somente quando assumimos que temos um problema, e que somos o culpado pelo problema, é que procuramos soluções para resolver o problema. Provavelmente você percebeu que o dinheiro do seu pai não era solução. O cheque especial não era solução. Gastar mais do que ganha era a origem do problema e não a solução.
Ao assumir a responsabilidade, você disse que conseguiu ficar no azul por um mês inteiro, depois de 8 meses de batalha. Felizmente, você deixou de pertencer ao grupo da maioria. Duas em cada três famílias brasileiras estão endividadas neste momento (fonte). O número de famílias sem dívidas, mas com reservas financeiras, provavelmente é menor ainda. Você diz que em 8 meses conseguiu a vitória de acumular metade da sua reserva de emergência (colchão financeiro) e isto torna sua família privilegiada.
Isso significa que além de parar de pagar juros elevados no cartão e cheque, você já tem dinheiro guardado rendendo juros. Seu pai provavelmente agradece, já os bancos perderam uma pessoa que trabalhava para sustentar os lucros deles.
Só que agora você está desesperado, sem saber se gasta todo o seu colchão financeiro em uma viagem para a praia. Na sua penúltima frase, você mostrou que tem consciência de que o objetivo desse dinheiro não é o lazer. O objetivo desse dinheiro é ser a sua reserva para emergências, justamente a reserva que oferece a proteção contra o cartão de crédito, cheque especial e o bolso do seu pai.
É essa reserva que será o seu cheque especial pessoal e seu seguro pessoal, por este motivo só deveria ser gasta quando a situação justificar todo o esforço, todo o trabalho, toda a disciplina que você teve que conduzir por 8 meses de transformação. Reservas deste tipo devem ser utilizadas no caso de emergências como doença, acidente, desemprego ou qualquer situação totalmente imprevista, especialmente quando temos filhos.
Sua mensagem me deu a entender que alguém está tentando te convencer a gastar a sua reserva de emergência com uma viagem de praia. Poderia ser sua esposa, seus dois filhos, amigos ou parentes próximos. Também poderia ser aquele lado primitivo do nosso cérebro, emocional e instintivo, que deseja as gratificações imediatas.
Se a pressão é da sua esposa e dos filhos, aproveite para explicar para eles, de forma transparente, o que é e qual a importância de uma reserva para emergências. É importante que a sua família entenda isso e que tudo seja bem claro, pois a falta de reserva geram consequências negativas para todos vocês.
Já se a pressão pela viagem de praia for de amigos ou de parentes, lembre-se que você deve viver sua vida dentro das suas possibilidades e nunca deve tentar levar a vida que os outros querem que você leve, afinal de contas é você que trabalha todos os meses para paga suas contas e não os outros.
Quando você está passando por problemas financeiros, é você, sua esposa e filhos que sofrem as consequências negativas. É você que terá que trabalhar mais para pagar juros, multas e taxas. É você que terá que perder noites de sonho enfrentando problemas financeiros e passando por situações de escassez.
É muito fácil para as outras pessoas (que vivem na ignorância financeira) fazerem pressões para você gastar o seu dinheiro da forma que eles acham certo gastar. Não permita isso.
Milhões de famílias brasileiras, duas em cada três, estão realmente com problemas. Você não tem nenhum problema. Imagine como seria maravilhoso se o motivo do desespero das pessoas neste momento fosse ir ou não ir para a praia.
Perceba que você tem apenas 23 anos de idade. Certamente tem uma vida longa pela frente. Se você fizer a coisa certa enquanto for jovem, vai colher os frutos do que plantou pelo resto da vida.
Não tenho nenhuma dúvida que se você fizer o que é certo e importante hoje, terá dinheiro e tempo para desfrutar de inúmeras viagens para a praia amanhã. Tenha um pouco de paciência. Para as próximas férias você poderá fazer uma reserva paralela especial para gastar com lazer, sem comprometer sua reserva de emergência.
Imagine que você é um agricultor e possui uma saca de milho. Você tem duas opções. Plantar essa saca de milho para colher centenas de sacas de milho no dia da colheita, ou simplesmente comer o único milho que você tem e inviabilizar a sua colheita no futuro.
Invista seu tempo, energia e algum dinheiro buscando mais conhecimento, desenvolvendo novas habilidades e buscando capacitação profissional para valorizar a sua hora trabalhada. Quando somos jovens devemos focar no desenvolvimento dos nossos talentos e no aumento da nossa renda. Isso significa que você deve focar suas energias no plantio. Você está na fase de plantar o seu futuro.
Ter um futuro próspero não é de graça. A miséria é de graça. Para viver uma vida miserável basta não fazer absolutamente nada. Fique parado e deixe a inanição conduzir sua vida para o fracasso pessoal e financeiro.
Já para atingir o sucesso na vida profissional, financeira e pessoal, você precisa aceitar a ideia de que terá que pagar um preço. Não ir para a praia agora significa pagar o preço.
Se perguntarem por qual motivo você não vai para a viagem de praia agora a resposta é simples: “Eu não tenho dinheiro para a viagem de praia agora, pois estou construindo a base para que possa ir para a praia sempre que desejar”.
A sua reserva de emergência não foi construída para ser gasta na praia. Faça uma coisa de cada vez. Uma árvore começa a se construir pela raiz, um prédio começa a ser construído pelas fundações. Crie as raízes e as fundações da sua vida agora. Não permita que outras pessoas, que não entendem seus planos e sua nova mentalidade, deixem você desesperado diante de questões onde não deveria existir qualquer dúvida.
A resposta do teste é:
- Você quer ir para a praia? Claro que sim, quem não quer?
- Você pode ir para a praia? Sim, você tem dinheiro na sua reserva de emergência.
- Você deve ir para a praia? Não, sua reserva não serve para isso, mas no futuro é ela que vai garantir muitas viagens para a praia.
- Será que você precisa ir para a praia agora? Claro que não, tudo tem seu tempo e o tempo agora é de plantar e construir as bases.
Conclusão:
Estamos próximos dos meses de férias, festas de final de ano, black friday e outras motivações para gastar dinheiro. É ótimo ter dinheiro para gastar nesses eventos, mas primeiro você deve fazer o seu dever de casa. Precisamos nos habituar com a ideia de que compras e viagens devem ser eventos planejados, para que você não dependa do uso das suas reservas de emergência ou mesmo dos seus investimentos para o futuro como fonte de recursos. Lembre-se que nem tudo que eu quero eu posso, nem tudo que eu posso eu devo e nem tudo que eu devo eu quero. Tudo tem seu tempo.
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