Sempre que acontece algum acidente, tragédia ou até um escândalo envolvendo empresas listadas na bolsa de valores, alguns leitores me escrevem pedindo para comentar sobre valores morais e os investimentos em ações.
Uma das mensagens que recebi na última semana falava:
Diante da tragédia humana e ambiental ocorrido em Brumadinho MG, tragédia certamente evitável em países sério do ponto de vista ético e moral e com mecanismos regulatórias competentes, faço a você a seguinte pergunta: Você leva nas suas decisões de investimento as questões éticas e morais?
Eu invisto onde os meus conhecimentos, meu nível de consciência e os meus valores me permitem investir. Como cada pessoa possui conhecimentos, consciência e valores diferentes, cada pessoa investe onde pode investir. Quando você investe no que não conhece, sem ter consciência do que está fazendo e ainda vai contra seus valores, você sempre perde.
Vou dar alguns exemplos.
Pessoalmente, eu não me permito investir em empresas que exploram vícios, mesmo quando essas empresas apresentam bons fundamentos, bons dividendos, boas oportunidades de ganho e operam legalmente.
Quando comecei a investir na bolsa, existia uma grande fabricante de cigarros listada na bolsa. Ela esteve na bolsa por quase 70 anos. Estreou em 1946 e deixou a bolsa em 2015. Produzia 90 bilhões de cigarros por ano. De cada 100 cigarros na boca dos brasileiros, 78 eram das marcas que ela produzia.
Essa empresa chegava a distribuir 97% dos seus lucros para todos que possuíam suas ações. Por muito tempo, ela foi uma das maiores pagadoras de dividendos do país. Especialistas chegaram a classificar suas ações como as melhores da história da bolsa brasileira (fonte).
Os fundamentos, os lucros e os dividendos podiam ser maravilhosos, mas o investimento nesse tipo de ação entrava em conflito com os meus valores.
Não me interessava participar dos lucros de um setor do mercado que vicia seus clientes, gerando uma dependência química. A indústria do tabaco explora e lucra com o vício de 1 bilhão de pessoas em todo mundo, sendo que 80% delas vivem em países pobres. Todos os anos 7 milhões de pessoas morrem por problemas de saúde relacionado a esse vício (fonte). Além de tudo isso, uma vida inteira gastando dinheiro para cultivar um vício pode resultar em graves perdas financeiras. A figura abaixo ilustra isso. Considere que muitos fumam 2 ou 3 maços por dia durante muitas décadas. Considere todo o dinheiro que será gasto por 1 bilhão de viciados.
O mesmo ocorre no mercado que explora o mau hábito e o vício do consumo de bebidas alcoólicas. O álcool é ainda pior que o tabaco. Além de degradar a saúde das pessoas, quando o consumo é exagerado, destrói as relações familiares, eleva os índices de violência doméstica, violência no trânsito, invalidez e mortes provocadas por acidentes nas estradas e no trabalho. Grande parte das pessoas que vivem na miséria extrema, como os moradores de rua, estão nessa condição graças ao consumo de álcool (fonte). O mau hábito de consumir álcool também é a porta de entrada para as outras drogas (fonte). Pode resultar em problemas financeiros e queda de produtividade no trabalho. Mesmo quem não se alcooliza, sofre o risco de ser prejudicado por quem se alcooliza. Se você considerar que muitos que cultivam o vício da bebida, também cultivam o vício do cigarro, a miséria se multiplica.
Os acidentes
Acidentes podem acontecer principalmente quando as empresas operam em determinados segmentos. Já tivemos vários casos de acidentes envolvendo mineradoras, empresas do setor de petróleo, químicos, empresas aéreas, etc.
Prejudicar a vida dos clientes não é uma consequência direta do negócio dessas empresas, como ocorre com aqueles que exploram o alcoolismo e o tabagismo. Enquanto o objetivo principal de uma fábrica de cigarros é formar uma base cada vez maior de viciados em cigarro para elevar suas vendas, o objetivo de uma empresa aérea é transportar pessoas. O objetivo de uma mineradora é extrair o minério que a indústria precisa para fabricar carros, aviões, fogões, etc. O objetivo da empresa de petróleo é fornecer a matéria prima para a produção de combustíveis, produtos químicos e material plástico utilizado em quase todo tipo de produto.
Mesmo assim, o investidor pode avaliar se a empresa onde investe está tomando os devidos cuidados com o meio ambiente, com os trabalhadores da empresa e com a comunidade em contato com a empresa e seus produtos.
Quanto mais informado e consciente é o consumidor mais ele exige boas práticas das empresas que produzem e vendem os produtos que ele consome.
O mesmo vale para os trabalhadores. Ninguém deveria aceitar trabalho em uma empresa que adota práticas que vão contra seus valores pessoais. Quando consumidores, trabalhadores e investidores seguem bons valores, os empresários adaptam os seus negócios a esses valores, caso queiram se manter no mercado.
Recentemente eu escrevi um artigo que fala sobre uma palestra que faz projeções sobre o futuro da bolsa nos próximos anos. Nesse artigo, eu comentei sobre uma ferramenta que me ajuda a selecionar boas ações para investir. Ela automatiza as análises fundamentalistas das empresas utilizando o histórico dos seus dados financeiros, mas ela não é capaz de considerar os meus valores pessoais. Somente eu posso dizer, com base nos meus valores, se poderei ou não investir na empresa.
Eu acredito que você deve se sentir bem com o destino dos seus investimentos. Respeitar os seus valores faz bem para você. Melhorar os seus valores faz bem para você e para todos. Sempre é melhor investir em empresas que você gosta ou que produzem e vendem soluções que você acredita ou utiliza. Se todos cuidarem dessas decisões pessoais, todos serão beneficiados de alguma forma. É uma questão de fazer bem a pequena parte que lhe cabe fazer.
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