O governo planeja voltar a cobrar o imposto de renda sobre dividendos. Essa tributação deixou de existir em 1996 (Lei nº 9.249/95). Os políticos daquela época entendiam que a cobrança de 15% sobre os dividendos era uma bitributação, ou seja, o governo estava cobrando o imposto de renda duas vezes sobre o mesmo fato que o gerou, que é o lucro obtido quando a empresa vende algum produto ou serviço.
Vamos entender melhor como isso pode impactar sua vida, mesmo que você não seja dono de uma empresa ou mesmo que não tenha ações listadas na bolsa para receber dividendos. Vamos lá…
A forma preferida dos governos cobrarem impostos é através das empresas, pois normalmente as empresas e seus sócios ficam com a culpa pelo elevado custo de vida das famílias. Geralmente as pessoas não entendem como os governos usam as empresas para tributar a população sem que ela se irrite com isso. Vamos entender melhor.
Existem impostos que são cobrados sobre o lucro das empresas e impostos cobrados sobre o preço dos produtos e serviços que as empresas vendem, ou seja, são impostos sobre o consumo das pessoas como o ICMS, ISS, Confis etc. Neste caso as empresas apenas repassam esses impostos para o consumidor, realizando o trabalho de “cobradoras de impostos” sobre o consumo dos outros.
Após pagar esses impostos iniciais, a receita que sobra com as vendas é chamada de receita líquida. A empresa utiliza essa receita líquida para pagar custos, despesas, salários, encargos, impostos sobre o salário dos funcionários, juros de dívidas e tudo que for necessário para o funcionamento do negócio.
Somente se sobrar alguma coisa após pagar todas essas contas é que a empresa terá algum lucro bruto. É sobre esse lucro bruto que o governo irá cobrar o imposto de renda da pessoa jurídica e o CSLL que é um imposto ironicamente chamado de “contribuição”.
Após todos esses pagamentos pode ser que sobre algum dinheiro e este será chamado de lucro líquido. A empresa pode decidir usar esse dinheiro para reinvestir na própria empresa (para gerar mais lucros no futuro) ou pode dividir esse lucro com seus sócios como forma de remunerar o investimento que eles fizeram na empresa. Se for uma empresa listada na bolsa, ela distribuirá esse lucro na forma de proventos, como os dividendos, para todos aqueles que investiram na empresa comprando suas ações.
Se o dividendo é o que sobra depois da cobrança do imposto de renda da pessoa jurídica, cobrar o imposto de renda novamente, quando o dividendo é recebido pelos sócios, é o mesmo que cobrar o mesmo imposto duas vezes sobre aquilo que gerou o lucro.
Depois de 1996 os políticos sempre tentaram acabar com a isenção do imposto de renda sobre os dividendos que eles mesmos criaram. É esse tipo de comportamento que cria a má fama do Brasil sobre ser um ambiente instável para o investimento e inóspito para o investidor.
Nesta nova tentativa o governo fala em uma contrapartida que será a redução do imposto de renda da empresa, mas certamente essa contrapartida será eliminada no futuro por outros políticos.
Nunca podemos esquecer que empresas privadas são investimentos.
As pessoas abrem empresas ou investem suas economias nas empresas de outras pessoas por entenderem que existe alguma possibilidade de lucro. Elas correm riscos por acreditarem que serão recompensadas por esse risco. O lucro remunera o risco que o investidor está correndo e remunera as oportunidades que ele está perdendo ao escolher investir na empresa e não em outra coisa.
Na visão do investidor, tanto faz se o governo vai cobrar imposto sobre a receita, sobre o lucro da empresa, sobre o salário dos seus empregados ou sobre o lucro que ele vai receber na forma de dividendos. Não importa o nome do custo sobre o investimento que reduz o retorno desse investimento. Para os sócios e investidores das empresas, todo imposto é custo e todo custo degrada a atratividade do investimento caso esse custo não possa ser repassado para os preços dos produtos e serviços. No final, é sempre o consumidor que paga a conta.
Os sócios e investidores estão sempre avaliando o retorno que as empresas geram assim como fazem com qualquer outro investimento. Quando não existe retorno que compense o investimento, o trabalho e o tempo gasto, o investimento deixa de ser interessante e outras possibilidades são avaliadas.
As empresas que pagam dividendos devem continuar atrativas para os investidores, mesmo com a cobrança de impostos sobre dividendos. Provavelmente vai ocorrer (ou já está ocorrendo) algum tipo de ajuste nos preços das ações. Exemplo: vamos imaginar uma empresa onde cada ação custa R$ 100 e existe a expectativa de pagamento de R$ 6 de dividendos no ano para cada ação. Isso representa um dividendo de 6% já que R$ 6 é 6% de R$ 100. Se o governo cobrar 15% de imposto sobre R$ 6 ele ficará com R$ 0,90 e o investidor receberá R$ 5,1. Isso significa que o investidor receberá 5,1% de dividendo líquido.
Vamos imaginar que essa redução do dividendo também reduza o interesse do investidor por essa ação que custa R$ 100 fazendo o preço da mesma cair para R$ 85. Se a expectativa de pagamento de dividendos continua sendo de R$ 5,1 (já com o imposto de renda descontado), voltamos a ter um dividendo de 6% (líquido de impostos) já que R$ 5,1 equivale a 6% de R$ 85. É claro que existem outros fatores que podemos considerar como a taxa de crescimento dos dividendos.
Podemos entender que a alteração nos dividendos pode interferir no preço das ações. Da mesma forma, toda alteração nos impostos pagos pelas empresas acaba aparecendo no preço dos produtos e serviços que elas oferecem.
Sempre foi bem evidente que os preços das ações sofrem a influência dos dividendos e que uma carteira de ações que pagam bons dividendos tende a oferecer melhores resultados que o índice Bovespa. Veja o gráfico:
Esse é um gráfico semanal que se inicia em 2016, quando começou a última tendência de alta da bolsa até a crise da pandemia. A linha azul representa o Índice Bovespa, que nos mostra o desempenho de uma carteira com as ações mais negociadas da bolsa (veja que teve desempenho de 173% no período). Já a linha vermelha representa uma carteira composta pelas ações das empresas que mais pagam dividendos (247,57% de alta no período) onde já está sendo considerado o reinvestimento dos dividendos na compra de mais ações.
É certo que as empresas e os investidores vão tomar decisões para que possam pagar menos impostos dentro das regras do jogo. É provável que as empresas se sintam motivadas a pagar juros sobre capital próprio (que é um tipo de provento) e não mais dividendos, sendo que os juros sobre capital próprio já são taxados com alíquota de 15%.
Em países como nos EUA, onde existe a cobrança de impostos sobre dividendos, as empresas preferem “remunerar” seus acionistas utilizando o lucro para recomprar ações. É uma estratégia “indireta” de aumentar os dividendos já que elas usam o lucro para comprar ações que depois serão canceladas (as ações deixarão de existir). Como as empresas pagam dividendos por ação, se existem menos ações o dividendo pago por ação para cada acionista será maior. O único problema é que as regras que existem nos EUA sobre a recompra de ações são diferentes das regras que temos no Brasil. O fato é que as empresas vão se adaptar sempre que o governo resolver mudar as regras do jogo. Precisamos esperar para saber quais serão as mudanças que realmente serão aprovadas no congresso e como as empresas e os investidores vão se adaptar.
Uma forma de investir em ações que pagam dividendos regularmente, sem a necessidade de se preocupar com o pagamento de impostos e com o trabalho de reinvestir os dividendos recebidos comprando mais ações (que gera custos com emolumentos e corretagens) é através de ETFs especializados em ações que pagam dividendos. Vou falar sobre esses ETFs em um próximo artigo. Para aprender a investir em ETFs eu recomendo o meu novo livro.
Se você deseja saber mais sobre como avaliar receitas, despesas, lucros, margens, dividendos e todos os indicadores que fazem parte dos fundamentos das empresas antes de investir em ações, eu recomendo que leia o meu livro sobre Análise Fundamentalista.
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