Neste artigo, vou comentar sobre a expansão crescente da vigilância financeira através de diferentes mecanismos; o histórico problemático de intervenções do governo na economia brasileira; e o medo de um eventual retorno de impostos sobre movimentações financeiras.
Vejo que as pessoas parecem muito assustadas com a ampliação do monitoramento da Receita Federal em relação às suas movimentações pessoais de dinheiro. Tenho a impressão de que elas não sabem o tamanho deste monitoramento.
Agora, com publicação da Instrução Normativa RFB 2219/2024, as operadoras de cartões de crédito e alguns tipos de instituições financeiras precisam informar à Receita Federal, semestralmente, dados sobre transações via Pix e cartões de crédito de seus clientes. Os novos critérios para envio incluem (fonte):
- Transações via Pix ou cartão de crédito superiores a R$ 5 mil por mês para pessoas físicas;
- Transações acima de R$ 15 mil por mês para pessoas jurídicas;
- O envio dos primeiros dados ocorrerá em agosto de 2025, com base nas movimentações do primeiro semestre.
A Receita ainda não exige dados detalhados de cada transação, mas querem a informação de que esses limites foram ultrapassados no mês, para que possam cruzar esses dados a renda que você declara e os impostos que você paga.
Muitas pessoas não sabem, mas as instituições financeiras tradicionais, como os bancos públicos e privados, financeiras e cooperativas de crédito, já eram obrigadas a enviar à Receita Federal as informações sobre movimentações financeiras de seus clientes, como saldos em conta corrente, movimentações de resgate e investimentos dos correntistas, rendimentos de aplicações e poupanças (fonte).
O que mudou em 2025 é que a obrigação de prestação de informações passa a ser também das operadoras de cartões de crédito e instituições de pagamento. As instituições de pagamento são empresas de serviços financeiros relacionados a pagamentos, como transferências, recebimentos e emissão de cartões. Entre elas estão as plataformas e aplicativos de pagamentos, bancos virtuais, contas digitais e varejistas de grande porte, a exemplo de lojas de roupas, de venda de eletrodomésticos e atacadistas.
Já faz muito tempo que a Receita Federal tem acesso praticamente total aos investimentos financeiros dos brasileiros através do ‘sistema e-Financeira’, implementado em 2016. Os bancos, corretoras e instituições financeiras são obrigados a informar mensalmente:
- Saldos em conta
- Investimentos em renda fixa
- Aplicações em fundos de investimentos
- Operações em bolsa
- Compra e venda de ações
- Recebimento de dividendos
- Operações de câmbio
- Aportes e resgates em previdência privada
Dessa forma, se você faz investimentos, tenha certeza de que a Receita Federal sabe de tudo e, infelizmente, nunca ninguém se importou com isso.
Existem vários outros sistemas que a Receita Federal utiliza para saber tudo o que você faz com seu próprio dinheiro.
A Receita usa esses dados para fazer um cruzamento entre os impostos que você paga e a quantidade de dinheiro que gasta, investe ou acumula.
Aqui estão algumas fontes de informação utilizadas pela Receita Federal para descobrir o que você fez com seu dinheiro (fonte):
- Documentos fiscais eletrônicos (NFe, NFCe, NFSe, CTe, MDFe,)
- GIA – Guia de Informação e Apuração do ICMS
- SPED Fiscal – Sistema Público de Escrituração Digital ICMS e IPI;
- SPED Contribuições – Sistema Público de Escrituração Digital PIS e COFINS;
- SPED REINF – Escrituração Fiscal Digital de retenções e outras informações fiscais;
- SPED ECD – SPED Contabil Digital;
- SPED ECF; SPED Contabil Fiscal;
- e-Financeira;
- DIMP – Declaração de Informações de Meios de Pagamentos
- DCTF – Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais
- DCTFWEB – Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais Previdenciários e de Outras Entidades e Fundos
- DOI – Declarações de Operações Imobiliárias;
- DMED – Declarações de Serviços Médicos;
- DIMOB – Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias
- eSOCIAL – Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas;
- DIRF – Declaração do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte
- DESTDA; Declaração do Simples Nacional relativa à Substituição Tributária e Diferencial de Alíquota;
- DIRFPF – Declarações de Imposto de Renda de Pessoa Física.
- DEFIS – Declaração de Informações Socioeconômicas e Fiscais
- DIRBI – Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária
- DME – Declaração de Operações Liquidadas com Moeda em Espécie
- Declaração sobre Operações Realizadas com Criptoativos
Vou explicar dois exemplos para que você entenda como funciona. Vamos ver o DMED e o DIMOB:
- DMED é o sistema onde clínicas, hospitais, laboratórios e profissionais de saúde são obrigados a informar à Receita Federal todos os pagamentos recebidos de pacientes, identificando quem pagou, quanto pagou e qual serviço foi prestado. Várias fontes de informações listadas acima são obrigações, ou seja, são um tipo de burocracia que alguém é obrigado a fazer em determinado período com o objetivo de “dedurar” o que você fez com o seu dinheiro.
- DIMOB é onde imobiliárias, construtoras e administradoras de imóveis precisam reportar à Receita todos os contratos de compra, venda e aluguel de imóveis, informando valores, participantes e detalhes das operações. Essas empresas podem ser penalizadas se não transmitirem informações sobre os negócios que você vez envolvendo imóveis. É claro que essa burocracia faz as empresas gastarem tempo e dinheiro.
A Receita Federal já está utilizando inteligência artificial para detectar se você cometeu algum erro nas informações que fornece e nos impostos que paga (fonte).
Veja um exemplo do que pode acontecer se a Receita Federal encontrar alguma coisa estranha na sua movimentação financeira a partir de agora. Veja uma parte desta reportagem publicada por um jornal em uma rede social no dia 14/01/2025 (fonte):
Em coletiva realizada na manhã no dia 13/01/2025 pela Receita Federal para tirar dúvidas sobre o tema, o chefe da Divisão de Fiscalização, falou sobre a situação em que uma pessoa física possui um cartão de crédito, mas não tem renda. Porém, o cartão é utilizado pelos pais dessa pessoa, por exemplo, que pagam a fatura fazendo um Pix para a pessoa dona do cartão.
Supondo que o Pix feito para o pagamento dessa fatura seja acima de R$ 5 mil, nesse caso, a Receita pode convocar o dono do cartão para apresentar justificativas. O chefe da Divisão de Fiscalização disse na coletiva: “Ao ser intimado, esse contribuinte (dono do cartão) vai comprovar a renda dos pais (caso do exemplo) dele e que é utilizado um instrumento de pagamento no nome dele para cobrir as despesas dos pais, que têm renda declarada”. “Em uma situação como essa, é muito tranquilo. Ao ser intimado, o contribuinte comprova a origem da renda e não há qualquer sanção para ele”, detalha o chefe da Divisão de Fiscalização da Receita Federal.
Ele acrescenta que a Receita Federal conta com inúmeras fontes de informações, a partir das quais é feito o cruzamento de dados dos contribuintes. “Nosso trabalho é exatamente cruzar as informações das diversas fontes, tentando identificar possíveis ilícitos tributários. Uma vez identificado, o contribuinte é solicitado para prestar esclarecimento” (fonte).
Podemos imaginar que, com o uso da Inteligência Artificial, será muito fácil e rápido intimar milhões de pessoas a prestarem esclarecimentos o tempo inteiro, diante de qualquer situação inocente como a descrita na reportagem. Certamente as pessoas de bem não ficarão contentes com esse tipo de abordagem frequente. Já os criminosos, corruptos e sonegadores vão continuar desobedecendo a lei, como sempre fizeram.
Os políticos chamam tudo isso de transparência e consideram uma coisa boa. O problema é que a população já percebe que essa “transparência” pode ser um tipo de vigilância estatal para monitorar e rastrear cada centavo movimentado pelos cidadãos, independentemente da origem legal do dinheiro. A consciência de que o governo está aumentando sua vigilância pode produzir medo e insatisfação entre as pessoas (é o que podemos ver por toda parte).
O medo de uma futura taxação ou imposto sobre o Pix é um exemplo disso. No passado, já existiu cobrança de impostos sobre movimentações financeiras. Já ocorreram tentativas de retorno desse imposto.
Histórico do Imposto sobre Movimentação Financeira no Brasil:
- 1993: Criação do IPMF (Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira), com alíquota de 0,25% válida até o final de 1993. Em 1994, a alíquota foi reduzida para 0,20%.
- 1996: Surge a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), inicialmente com alíquota de 0,20%.
- 1999: Alíquota da CPMF aumenta para 0,38%.
- 2007: O Congresso rejeita a prorrogação da CPMF, que é extinta em dezembro daquele ano.
Tentativas de retorno após a extinção:
- 2011: Governo Dilma Rousseff cogita recriar o imposto, mas recua após forte rejeição.
- 2015: Ministro Joaquim Levy propõe nova versão da CPMF com alíquota de 0,20%. A ideia é rejeitada pelo Congresso.
- 2019: Paulo Guedes apresenta proposta de imposto sobre transações digitais, apelidado de “nova CPMF”, com alíquota de 0,20%. A proposta gera forte resistência e é abandonada.
- 2020: Ministério da Economia volta a defender um imposto sobre transações digitais como parte da reforma tributária. A proposta não avança.
Fica evidente que as pessoas percebem que existe um enorme interesse dos políticos em cobrar imposto sobre transações financeiras.
Parece que só agora as pessoas estão percebendo que o Pix fornece ao Banco Central (que pertence ao Governo Federal) acesso instantâneo e detalhado de cada transferência, incluindo dados que o TED e o DOC não revelavam: horário exato, localização do dispositivo usado, frequência de transações com cada contato e até descrições digitadas pelo usuário. Basta que ocorram aprovações de leis e normas para que esses dados sejam usados. Além disso, por ser gratuito, o Pix induz as pessoas a usá-lo até para pequenos pagamentos do dia a dia que antes eram feitos em dinheiro vivo, criando um rastro digital completo dos hábitos financeiros e das relações financeiras dos cidadãos com comerciantes, prestadores de serviço e outras pessoas físicas.
Outra questão que preocupa as pessoas é o Drex. O Drex, versão digital do Real controlada diretamente pelo Banco Central, permitirá ao Estado monitorar cada centavo gasto pelos brasileiros em tempo real, com detalhes que vão muito além do Pix: todos os saldos, cada pequena compra no comércio, valores guardados, investimentos feitos e até programar o dinheiro para usos específicos. Diferentemente do dinheiro físico atual, que garante alguma privacidade nas transações cotidianas, o Real digital deixará um rastro completo de todas as movimentações, dando aos burocratas do governo poder sem precedentes para controlar, restringir ou até congelar o acesso das pessoas ao próprio dinheiro.
É natural que as pessoas tenham medo de tudo isso, pois elas têm memória. As pessoas ainda lembram do congelamento da poupança no Plano Collor, tabelamentos, planos econômicos, escândalos de corrupção, crimes envolvendo políticos, impeachments e crises econômicas. A memória desses traumas gera desconfiança natural sobre novas ferramentas de controle financeiro.
Vou listar aqui algumas coisas que os brasileiros temem especificamente:
- Bloqueio arbitrário de recursos pelo governo
- Imposição de limites de saques ou transferências
- Controle sobre onde e como gastar seu próprio dinheiro
- Vigilância total dos hábitos de consumo
- Uso político das informações financeiras
- Criação de impostos específicos sobre certas transações
- Perseguição seletiva de opositores via sistema financeiro
- Implantação de “scores sociais” vinculados ao uso do dinheiro
Em vários países essas medidas já foram adotadas e o medo da população se tornou realidade.
Exemplos:
- A China implementou um sistema extensivo de controle financeiro digital e score social. O governo chinês já bloqueou acesso a transportes e serviços de pessoas com baixa pontuação social, que inclui análise de gastos e transações financeiras.
- Canadá, em 2022, congelou contas bancárias de manifestantes contra medidas do governo Trudeau e pessoas que doaram para protestos dos caminhoneiros.
- Venezuela impôs limites de saques e transferências em 2019 para tentar controlar a inflação. O governo monitora gastos individuais e restringe acesso a dólares.
- Nigeria limitou saques em dinheiro em 2023 durante a transição forçada para pagamentos digitais. O banco central restringiu saques semanais a 100 mil nairas.
- Argentina impôs em 2019 o “cepo cambiário”, limitando compra de dólares e transferências internacionais. Em 2023, aumentou vigilância sobre gastos em dólar com cartão de crédito.
- Índia, em 2016, cancelou abruptamente notas de maior valor e forçou digitalização das transações, dando ao governo acesso sem precedentes aos dados financeiros da população.
- Reino Unido usa dados de transações financeiras para monitorar e reduzir limites de crédito de clientes que gastam em apostas online.
- Rússia aumentou vigilância de transações após sanções de 2022, com poder de bloquear contas suspeitas de “atividades contra interesses nacionais”.
Parece que as pessoas estão percebendo que a centralização do controle financeiro representa exatamente o oposto de liberdade e segurança financeira. As pessoas sentem que isso pode ser a materialização do poder coercitivo do Estado sobre as escolhas econômicas individuais.
Recomendo que você pague seus impostos corretamente e exerça o seu direito de exigir o bom uso desse dinheiro e de escolher políticos comprometidos com a redução dos impostos e da ineficiência do Estado. Quem não paga impostos não está preocupado as questões levantadas nesse artigo.
Acredito que só teremos uma mudança de mentalidade no Brasil quando a maior parte da população for monitorada, perseguida e taxada, assim como já fazem com as classes média e alta. Parece que será uma questão de tempo, pois tudo caminha neste sentido até o ponto em que será insuportável para todos. Só dessa forma a população terá maior consciência financeira, fiscal e política. Quando as pessoas forem mais conscientes sobre a realidade, as coisa vão mudar.
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