É muito comum encontrar pessoas que comparam o investimento em ações com jogos de azar. Muitas vezes essas pessoas já investiram em ações no passado e experimentaram a “sorte dos principiantes” que comentei no artigo anterior, veja aqui. Elas ganharam algum dinheiro no começo e depois perderam tudo. Também podem ter ouvido histórias de pessoas que tiveram o mesmo destino. Na busca de um culpado por nossos erros, o azar recebe a culpa.
Se você pensa dessa forma ou conhece alguém que pensa assim, leia o artigo até o final.
Quando você joga uma moeda para o alto, a probabilidade do resultado ser cara ou coroa é a mesma, ou seja, 50% cara e 50% coroa. A sorte ou o azar serão os responsáveis pelo resultado.
Se existisse uma forma de ganhar dinheiro jogando cara ou coroa, você até poderia ganhar algum dinheiro se tivesse sorte e jogasse a moeda poucas vezes.
Mas por qual motivo a sorte só funcionaria se você jogasse a moeda poucas vezes?
Se você jogar uma moeda para o alto muitas vezes verá que a cada jogada seu resultado médio se aproximará de 50% de caras e 50% de coroas. Se você ganhasse R$ 1 para cada cara e perdesse R$ 1 para cada coroa, depois de muitas jogadas você teria algo próximo de R$ 50 de ganho e R$ 50 de perda. Não podemos dizer que o resultado final seria o “zero a zero”, pois você teria jogado muito tempo fora sem qualquer resultado que justificasse o esforço.
No caso do investimento em ações, não podemos afirmar que as moedas (as ações) possuem 50% de chance de produzir ganhos e 50% de chance de produzir perdas, como muitos iniciantes imaginam. Cada ação listada na bolsa funciona como uma moeda viciada, viesada ou tendenciosa. Cada “moeda” na bolsa de valores possui características únicas que aumentam a probabilidade de ganhos ou perdas com o passar do tempo.
Podemos dizer que ao tomar uma decisão de comprar as ações de uma empresa como investimento, você está fazendo uma aposta, só que você está utilizando moedas que possuem um viés.
Dessa forma, nesse tipo de aposta a probabilidade de ganho não será de 50%, como ocorre com uma moeda no cara ou coroa. As ações das empresas são como “moedas tendenciosas“, ou seja, são moedas que seguem uma tendência que por sua vez pode mudar com o tempo.
Análise das tendências:
No caso do investidor que utiliza a análise fundamentalista, a aposta será dada depois de uma análise dos fundamentos financeiros da empresa. Esses fundamentos são dados contábeis (receitas, despesas, lucros, ativos, passivos, patrimônio etc.) que falam sobre o passado, baseados em balanços e demonstrações dos últimos trimestres no decorrer dos anos. A análise fundamentalista não garante nada sobre o futuro, mas nos falam sobre um viés ou a ação de uma empresa que tem viés favorável ao investimento.
Teoricamente as empresas que estão melhorando seus fundamentos a cada trimestre possuem uma maior probabilidade de terem suas ações valorizando nos próximos trimestres. Comprar ações de empresas que possuem resultados financeiros que se deterioram a cada trimestre é como jogar moedas com um viés que reduz sua probabilidade de ganho.
Os investidores, principalmente os grandes que chegam a investir muitos milhões em uma única empresa, avaliam os fundamentos constantemente para verificar se as “moedas” que serão escolhidas continuam com bom viés.
Muitas vezes os investidores mais agressivos compram ações de empresas com resultados ruins, mas que por algum motivo possam melhorar no futuro. São apostas de maior risco e, por consequência, maior prêmio pelo risco corrido.
As vezes uma empresa pode ter seus resultados prejudicados devido a um ambiente econômico temporariamente negativo para a sua atividade. Assim que ocorrem melhorias no ambiente, a empresa volta a ter viés positivo. Por esse motivo, esses grandes investidores podem apostar em determinadas empresas buscando o viés positivo que possa existir na economia ou no setor onde a empresa atua.
No caso de alguém que utiliza a análise técnica, a aposta será dada depois de uma análise do comportamento dos preços em um gráfico. O investidor costuma verificar se os preços passados seguem uma tendência de baixa (estão cada vez menores) ou uma tendência de alta (estão cada vez maiores). Muitos investidores que utilizam a análise técnica são seguidores de tendências.
A tendência de alta no preço de uma ação, principalmente entre as ações mais negociadas, normalmente reflete a demanda crescente da ação por investidores grandes que acompanham a empresa de perto através da análise dos seus fundamentos.
Teoricamente, ações com preços em um gráfico que seguem uma longa tendência de alta são como moedas que possuem viés de ganho. Já ações com preços que seguem tendência de baixa no gráfico são como moedas com viés para a perda no decorrer do tempo.
Seu trabalho é identificar o viés:
Podemos dizer que o trabalho do pequeno investidor é olhar para uma caixa de moedas viesadas (bolsa de valores) para escolher com qual moeda pretende jogar um “cara e coroa” com menor risco possível de perdas.
Se a moeda for bem escolhida, você aumentará a sua probabilidade de ganhos e reduzirá a probabilidade de perdas. Com isso você controlará seus riscos.
Controlar riscos não significa eliminar os riscos de perdas, pois nenhuma ação negociada na bolsa tem probabilidade de ganho de 100%, mas podemos dizer que quanto mais você conseguir se manter no jogo, usando “moedas com viés” para o ganho, maiores serão seus ganhos e menores serão suas perdas.
Isso significa que muitas vezes você precisa ter paciência para esperar a probabilidade de alta da ação se cumprir. Esse ponto é muito importante.
Esperar a matemática realizar o trabalho:
Mesmo jogando uma moeda viesada que produzirá mais ganhos do que perdas, se você fizer isso poucas vezes ou por pouco tempo, os ganhos ou as perdas serão uma questão de sorte ou azar.
Mantendo a aposta por mais tempo, a matemática fará o restante do trabalho.
Quem investe em ações ou em qualquer ativo de renda variável em tendência de alta precisa entender esse mecanismo com muita clareza, para não desistir antes da matemática realizar o trabalho dela.
Vamos usar alguns simuladores e exemplos simplificados para entender isso. Vamos usar o exemplo das moedas, pois eles valem paras as ações ou para qualquer ativo de renda variável que tenha muita volatilidade no curto prazo e demonstre alguma tendência no médio e longo prazo.
Usando esse simulador aqui eu joguei 10 moedas (clicando no botão 10 flips) e o resultado está na figura abaixo. Consegui 7 coroas e 3 caras. Faça você mesmo, clique no botão “10 flips” várias vezes e verá que os resultados são diferentes dependendo da sorte e do azar.
Depois clique no botão “reset” para apagar tudo e clique em “auto” para que as jogadas sejam automáticas. Espere algum tempo até atingir centenas de jogadas.
Agora vamos ver o que acontece depois de umas 700 jogadas deixando o botão “auto” ativado para realizar apostas automáticas por algum tempo.
Você verá que a sorte e o azar vão desaparecer com o tempo. Quanto mais jogadas, mais a matemática levará o resultado para 50% de coroas e 50% de caras, pois essas moedas não possuem qualquer viés, ou seja, a probabilidade de caras e coras são iguais.
Agora vamos imaginar que você tem uma “caixa de moedas viesadas”. Você é livre para analisar as moedas, assim como analisaria as ações de uma empresa listada na bolsa. Vamos imaginar que você encontrou uma moeda viesada que tem 60% de probabilidade de gerar mais caras do que coroas.
Vamos refazer a simulação configurando o campo “P(heads)” com o número 0,6 (que representa 60% de probabilidade de o sorteio resultar em caras).
Se você jogar essa moeda com viés poucas vezes verá que o efeito da sorte e do azar continuam atrapalhando o resultado, mas logo nas primeiras dezenas de jogadas ficará evidente o efeito do viés.
Na figura logo abaixo podemos ver que em 100 jogadas já foi possível produzir 65 caras e 35 de coroas, mas provavelmente você verá o feito nas primeiras dezenas de jogadas. No exemplo abaixo tivemos 65% de caras e 35% de coroas, ou seja, tivemos 5 pontos percentuais acima do esperado, que era 60% de caras. Podemos dizer que a sorte nos ajudou a conseguir 5 caras adicionais. Se você jogar a moeda 1000 vezes verá que a sorte tende a sumir.
Encontrei outro simulador educativo na internet que permitia ser adaptado. Fiz adaptações, troquei a moeda, traduzi e agora ele está disponível aqui no Clube dos Poupadores. Esse simulador permite visualizar um gráfico que facilita ainda mais o entendimento. Clique no botão de Play no simulador abaixo para ver seu funcionamento.
Use o campo “Quantidade de moedas” para informar quantas moedas deseja jogar ao mesmo tempo. O campo “probabilidade: cara” permite configurar se as moedas terão algum viés. O valor de 0,5 representa 50% de probabilidade do resultado ser cara e 50% de ser coroa. Temos um botão de “play” para jogadas automáticas e um botão que permite fazer uma jogada a cada clique. O botão com a seta circular permite reiniciar o gráfico e as configurações.
Veja um exemplo:
No exemplo acima jogamos 10 moedas sem qualquer viés e isso significa que as chances de dar cara ou coroa eram iguais (50% ou 0,5). Foram mais de 170 apostas automáticas. Veja que por algum momento, nas primeiras jogadas, a média era de mais de 5 caras por jogada. Depois a média ficou abaixo de 5 e com o passar do tempo ela foi se aproximando de 50% de caras. Quanto mais jogadas, mais a matemática faz o seu trabalho de produzir resultados próximos de 50% caras e 50% coroas.
Agora realizamos a mesma simulação jogando 10 moedas onde todas possuem viés. Isso pode ser configurado ajustando em 0,7 o campo “Probabilidade: cara”. Com isso, a probabilidade do resultado ser cara será de 70% e, por consequência, o de ser coroa será de 3o%. Veja o resultado:
No início da simulação, quando temos poucos resultados para produzira a média, sofremos os efeitos da sorte e do azar. Quando temos mais de 170 apostas a média chega a 7,1% de caras quando jogamos as 10 moedas. Quanto mais apostas, mais o resultado médio tenderá para o viés de 70%.
Quando investimos nas ações de boas empresas, que possuem bons fundamentos (análise fundamentalista) e com preços em tendência de alta no gráfico (análise técnica), apostamos com moedas que possuem viés positivo e que provavelmente devem gerar resultados positivos no médio e longo prazo.
No curto prazo, mesmo com viés positivo, continuamos sofrendo os efeitos da sorte e do azar. No artigo anterior, quando mostro as médias móveis, podemos ver que os movimentos de curto prazo podem se transformar em linhas médias “suavizadas” que possuem tendências que podem ser vistas com facilidade.
Os movimentos dessas linhas de longo prazo são mais importantes do que os movimentos dos preços no curto prazo. Também mostrei que quando transformamos os resultados financeiros de uma empresa em gráficos com histórico de vários anos, também podemos analisar a tendência das receitas cada vez maiores, lucros maiores, dívidas cada vez menores etc.
Meu objetivo aqui foi demonstrar que mesmo você acreditando que a bolsa de valores é um jogo de azar, observe que as moedas utilizadas nesse jogo são escolhidas por você, ou seja, você está no controle da escolha das moedas e fazendo uma boa escolha você reduzirá seu risco enquanto aumenta as probabilidades de ganho.
Existem centenas de ações de empresas de diversos setores que apresentam os mais diversos resultados financeiros. Algumas possuem resultados em degradação a cada trimestre e outras possuem resultados financeiros cada vez melhores. Algumas possuem preços que seguem uma clara tendência de alta e outras possuem preços em decadência constante.
Não podemos prever o futuro, mas podemos olhar para o passado na busca de tendências ou do viés de cada ação. Não temos controle sobre o que vai acontecer com o preço de uma ação, mas temos o controle sobre a escolha das melhores ações, que possuem maior probabilidade de gerar ganhos em prazos futuros.
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