O maior risco que você pode correr ao investir em uma empresa própria ou nas ações de uma empresa listada na bolsa é o risco dessa empresa enfrentar sérios problemas financeiros no futuro, que em casos extremos poderia levá-la à falência.
Falências são decretadas pela justiça quando as empresa não efetuam os pagamentos de suas dívidas, fazendo com que sejam obrigadas a vender seus bens para pagar credores que podem ser bancos (empréstimos e financiamentos), fornecedores (compras), empregados (salários), debenturistas (investidores que comparam debêntures da empresa) e o governo (impostos).
Ao se tornar sócio de uma empresa, seja diretamente ou comprando ações negociadas na bolsa, é importante saber se essa empresa tem recursos financeiros para honrar suas dívidas de curto prazo (que vencem nos próximos 12 meses) e longo prazo (que vencem depois de 12 meses).
Neste artigo quero ensinar você a avaliar um dos vários indicadores de liquidez, conhecido como “Índice de Liquidez Corrente“. Ele nos permite saber se uma empresa tem condições de honrar suas obrigações no curto prazo.
Você pode usar o mesmo conceito e a fórmula para aplicar na sua vida financeira.
Normalmente as dívidas a curto prazo, que vencem nos próximos 12 meses, precisam ser pagas para que a empresa continue funcionando. Exemplo: dívidas com fornecedores, empréstimos e financiamentos de curto prazo, contas a pagar, salários etc. Isso é o mínimo que toda empresa deveria ter para se manter financeiramente equilibrada, especialmente na ocorrência de momentos de crise.
Muitos investidores que fazem uso da análise fundamentalista, para selecionar as melhores empresas para investir na bolsa, consideram a Liquidez Corrente um dos índices mais importantes. Esses investidores acreditam que se a empresa apresentar dificuldades para pagar seus compromissos de curto prazo, existirá grande probabilidade de que ela apresente problemas financeiros no futuro, produzindo desvalorização de suas ações e comprometimento do pagamento de dividendos.
A falta de Liquidez Corrente torna uma empresa mais sujeita a problemas financeiros no decorrer de crises como a ocorrida em 2020, que reduziu ou zerou as receitas de empresas de muitos setores da economia.
A fórmula matemática para o cálculo do índice de Liquidez Corrente é bem simples:
Liquidez Corrente = Ativo circulante / Passivo circulante
Podemos ler a fórmula da seguinte forma: a liquidez corrente é igual o ativo circulante da empresa dividido pelo passivo circulante.
Ativo circulante é tudo que a empresa possui em dinheiro ou bens e direitos que possam ser rapidamente transformados em dinheiro. Exemplos: dinheiro em caixa, dinheiro no banco, aplicações financeiras, contas a receber, estoques, matérias-primas, títulos etc.
Passivo circulante são todas as dívidas da empresa precisam ser pagas no curto prazo (nos próximos 12 meses). Exemplos: pagamento de fornecedores, contas a pagar, empréstimos bancários, encargos sociais, salários, impostos etc.
O resultado dessa divisão do ativo circulante pelo passivo circulante, nos permite descobrir o grau de liquidez corrente de uma empresa. Vamos ver como o resultado dessa divisão pode ser entendido.
- Se a liquidez corrente for maior do que 1 (LC > 1), podemos entender que a empresa possui recursos financeiros disponível que são suficientes para arcar com as suas obrigações de curto prazo (próximos 12 meses).
- Se a liquidez corrente for igual a 1 (LC = 1), a empresa tem recursos para pagar suas dívidas de curto prazo, mas não existem folgas ou qualquer margem de segurança.
- Se a liquidez corrente for menor do que 1 (LC < 1), podemos entender que a empresa não possui, no dia da divulgação do último balanço, capital suficiente para arcar com todas as suas obrigações de curto prazo.
Sempre considere que as empresas listadas na bolsa se esforçam para que seus indicadores estejam equilibrados quando seus balanços são divulgados para a manutenção da “felicidade” de seus investidores. Se a empresa apresentar um índice abaixo do desejável, pode ter certeza de que isso é o melhor que ela conseguiu apresentar nos balanços para os investidores, ou seja, no dia a dia a situação pode até ser pior. Por esse motivo, não devemos avaliar somente um indicador isoladamente.
Como a liquidez corrente é um dos indicadores que os investidores utilizam para diagnosticar a saúde financeira uma empresa, ela é útil na seleção de ações de empresas que tenham maior probabilidade pagar dividendos no futuro, caso seja esse o seu objetivo ao investir em ações.
Se uma empresa tem poucos ou nenhum recurso para pagar suas obrigações de curto prazo, certamente terá pouco ou nenhum recurso para remunerar seus acionistas através dos dividendos, além da possibilidade de ter suas ações valorizadas no decorrer do tempo.
Teoricamente, empresas com maior liquidez corrente representam investimentos de menor risco para o investidor de renda variável. Aqui tenho duas observações a fazer, pois não existem indicadores perfeitos, mágicos ou livres de falhas.
- O índice de liquidez corrente não nos fala nada sobre a qualidade dos ativos que a empresa possui no ativo circulante. Exemplo: como você viu, faz parte do ativo circulante os estoques das empresas. Não temos como saber se realmente a empresa teria condições de transformar esses estoques em dinheiro para pagar suas dívidas dentro do prazo necessário;
- O índice de liquidez corrente não revela a sincronização entre recebimentos e pagamentos. Exemplo: as empresas precisam pagar salários, aluguéis, contas de energia todos os meses e não necessariamente os valores que ela tem a receber (contas a receber) serão recebidos a tempo de não atrasar esses pagamentos mensais.
Para resolver essas questões alguns investidores calculam índices mais conservadores, que são variações da Liquidez Corrente que excluem alguns itens do ativo circulante.
Um exemplo disso é o índice conhecido como “Liquidez Seca” que é calculada sem considerar os estoques da empresa que está somado ao ativo circulante. A fórmula seria:
Liquidez Seca = (Ativo Circulante – Estoques) / Passivo Circulante
Também existe um indicador chamado “Liquidez Imediata” que além de não incluir o estoque, também não inclui as contas a receber no ativo circulante. Neste caso se considera apenas os valores realmente disponíveis, ou seja, dinheiro em caixa ou equivalente a isso. Neste caso temos um indicador extremamente conservador. A fórmula seria:
Liquidez Imediata = Disponível / Passivo Circulante
Essas informações normalmente são fornecidas pelas próprias empresas, no site de “Relações com Investidores”, que todas possuem. Baixando os balanços das empresas nesses sites é possível fazer a divisão com facilidade. O problema é que o trabalho de coletar esses dados em todos os sites das empresas onde você pretende investir é inviável.
Sites gratuitos como o Fundamentus e serviços por assinatura mais completos como o GuiaInvest PRO fornecem a liquidez corrente de todas as principais empresas, além de centenas de outros indicadores para que você possa fazer sua análise fundamentalista. Vamos ver um exemplo.
Para exemplificar eu utilizei a ferramenta Stock Guide para criar o relatório acima. Existe um artigo que descreve como essa ferramenta do GuiaInvest PRO funciona, veja aqui. Você verá que é rápido e fácil produzir filtros e relatórios.
Para gerar o relatório acima eu selecionei apenas as empresas que fazem parte do índice ICONSUMO, que é um índice criado pela bolsa com as ações mais negociadas que fazem parte do setor de consumo (veja aqui). Depois eu filtrei somente as que fazem parte do “Subsetor” de Comércio. Adicionei os indicadores fundamentalistas: Liquidez Corrente, Ativo Circulante, Passivo Circulante e Disponibilidade. Veja que Liquidez Corrente nada mais é do que a divisão do Ativo Circulante pelo Passivo Circulante.
No exemplo acima podemos ver que a última empresa da lista possui Liquidez Corrente de 0,8, ou seja, ela tem Liquidez Corrente menor do que 1. Se a liquidez corrente for menor do que 1, podemos entender que a empresa não possui, no dia da divulgação do último balanço, capital suficiente para arcar com todas as suas obrigações de curto prazo. Isso já nos chamaria atenção para verificar outros indicadores de que posso comentar em futuros artigos, mas que você vai encontrar no meu livro meu livro sobre análise fundamentalista.
Nunca sabemos quando uma nova crise será desencadeada e temos como exemplo a crise iniciada em 2020. Empresas que possuem recursos financeiros próprios para enfrentar crises que se manifestam no curto prazo, terão menos endividamentos e problemas financeiros de médio e longo prazo. Sabemos que a saúde financeira das empresas acaba se refletindo no preço de suas ações.
Empresas com bons fundamentos normalmente são aquelas que oferecem menores riscos para os investidores por estarem mais bem preparadas para crises. Por esse motivo, é importante que o pequeno investidor tenha a capacidade de avaliar a liquidez das empresas antes de investir.
Você também pode calcular a liquidez corrente da sua vida financeira. Verifique o total de dinheiro e investimentos disponíveis para saque caso tenha que pagar seu custo de vida com esse dinheiro nos próximos 12 meses. Verifique o total dos seus passivos, ou seja, todas as despesas e dívidas que precisam ser pagas nos próximos 12 meses. Dividindo um pelo outro, o resultado é maior ou menos do que 1? Se for maior do que um, parabéns. Você está mais preparado do que muitos brasileiros para enfrentar momentos de crise. Caso tenha um pequeno negócio, faça o mesmo cálculo.
Embora indicadores como o de liquidez corrente nos permitam avaliar a capacidade de pagamento de uma empresa, seu equilíbrio financeiro e a fazer comparações entre empresas do mesmo setor, sua utilização é limitada. Felizmente existem outros indicadores que devemos considerar. Caso queira se aprofundar e começar a estudar esse tema a partir do zero eu recomendo o meu livro sobre análise fundamentalista.
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