Existem diversas empresas controladas pelo governo com ações negociadas na bolsa. Qualquer brasileiro pode se tornar sócio dessas estatais comprando suas ações através de qualquer corretora, sem nenhuma burocracia ou dificuldade.
Ao contrário do que muitos imaginam, ninguém precisa ser rico para se tornar sócio de uma empresa estatal. Por menos de duas dúzias de reais é possível se tornar sócio de uma das maiores petrolíferas de capital aberto do mundo. Por valor equivalente é possível ser sócio da maior holding do setor elétrico da América Latina. Por um pouco mais você também pode ser sócio de um dos maiores bancos estatais do país.
Você não precisa ter muito dinheiro, mas precisa de um pouco de conhecimento para entender o que está fazendo.
Quando você compra ações de uma empresa, espera que o gestor da mesma tome decisões que a façam crescer, prosperar e lucrar.
Ninguém investe o próprio dinheiro em algo esperando ter prejuízos. A expectativa de qualquer investidor, do pequeno ao grande, é ter valorização das ações que comprou (ganho de capital) e recebimento de proventos, que são benefícios distribuídos pelas empresas a seus acionistas como: dividendos (lucros), bonificações, direitos de subscrição, juros sobre capital e outros.
O problema é que as empresas só valorizam no decorrer do tempo quando são bem administradas. Elas também só conseguem distribuir lucros e outros benefícios aos acionistas quando existem lucros para serem distribuídos.
Seguindo essa lógica, você só deveria investir o seu dinheiro em empresas bem administradas, pois a má gestão resultará em prejuízos para você.
Grande parte das empresas estatais são geridas por políticos ou pessoas indicadas (de forma direta ou indireta) pelos políticos que estão no poder.
Sabemos que os políticos brasileiros não são famosos por serem bons gestores. Diante disso, você ficaria tranquilo se transferisse a gestão dos seus investimentos para uma equipe de políticos ou para pessoas indicadas por esses políticos?
Na prática, é isso que acontece quando você investe em estatais adquirindo suas ações na bolsa. Existem diversas empresas de economia mista onde o governo é o sócio controlador.
Os políticos e seus indicados, tomam decisões que interferem nos resultados das empresas e afetam aos resultados dos investimentos dos pequenos investidores, que são os sócios minoritários.
Exemplo real
No momento em que estou escrevendo esse artigo está ocorrendo um evento que demonstra a interferência do governo nos resultados de grandes empresas públicas listadas na bolsa.
No primeiro semestre de 2018 o país enfrentou uma greve de caminhoneiros que fez a economia parar (fonte). No primeiro momento a própria estatal resolveu reduzir e “congelar” o preço do diesel (fonte). Logo depois o governo interferiu gerando mais prejuízos (fonte). Quando membros do governo foram questionados sobre como essa intervenção seria possível, uns disseram: “Não interessa de onde vem o desconto do diesel” (fonte). Na prática, essa frase resumiu muito bem a maneira como os políticos tomam decisões sobre o dinheiro público e as empresas que controla.
O resultado de tudo isso foi o pedido de demissão do presidente da estatal, alegando que não queria ser empecilho para os “novos planos” (novas intervenções) do governo (fonte). Ele já tinha dito que deixaria o cargo se o governo interferisse na condução da empresa (fonte). Em apenas um dia, a empresa chegou a perder bilhões em valor de mercado. No total, a empresa perdeu mais de uma centena de bilhões em valor de mercado desde o início da greve dos caminhoneiros no dia 21 de maio (fonte).
Veja o histórico de lucros dessa petrolífera no próximo gráfico. É fácil observar a deterioração dos lucros a partir de 2011. Em 2014, ano de eleições para presidente, a empresa começou a registrar grandes prejuízos trimestrais. Ela foi usada pelo governo para controlar a inflação, através do controle de preços dos combustíveis, sem qualquer preocupação com o impacto que isso produziria nos resultados da empresa (fonte) e nos investimentos das centenas de milhares de brasileiros que investiram na empresa.
Não é a primeira vez
Não é a primeira vez que o governo toma decisões sem nenhuma preocupação com os prejuízos financeiros das empresas que controla e das pessoas que investiram suas economias comprando suas ações. No passado, o governo reduziu o preço da energia elétrica por decreto, mergulhando as empresas do setor em uma grave crise. Bilhões em valor foram perdidos, prejudicando todos aqueles que tinham ações dessas empresas (fonte).
Veja no próximo gráfico o histórico de lucros de uma grande empresa estatal do setor elétrico que possui ações negociadas na bolsa. A empresa começou a apresentar prejuízos constantes quando o governo resolveu intervir no setor em 2012 (fonte). A dívida da empresa aumentou muito e desde 2015 não distribui dividendos aos acionistas. As barras para cima representam lucros e as barras para baixo representam prejuízos (bilhões).
Interferência
O IBGC fez um estudo no ano passado retratando o nível de interferência e independência nos conselhos de administração e indicação de cargos para diretoria nas estatais (fonte).
Das 30 empresas listadas na bolsa que são controladas pelo governo (sociedades de economia mista), 23 foram fundadas entre 1945 e 1970 em setores como energia (11), saneamento (4), serviços financeiros (4) e telefonia (1).
Uma das justificativas para que o governo destine dinheiro público para criar e manter empresas públicas seria um desinteresse da iniciativa privada em investir em determinados setores.
Na prática, o governo poderia oferecer água, saneamento, energia elétrica e até combustíveis pelo preço de custo ou abaixo do preço de custo através de subsídios (gastando dinheiro público).
Para fazer isso, sem gerar qualquer transtorno para os pequenos investidores, bastaria constituir empresas 100% estatais, ou seja, sem suas ações listadas na bolsa e sem recursos dos investidores (pessoas físicas e jurídicas).
O governo possui diversas instituições, 100% estatais, sem fins lucrativos, que prestam serviços para a população. Não existe nenhum problema nisso. O problema ocorre quando o governo transforma uma empresa de economia mista, que tem ações listadas na bolsa e investimentos de pessoas físicas, em uma entidade sem fins lucrativos ou um departamento do governo. Isso inevitavelmente prejudica todas as pessoas que investiram o próprio dinheiro nessas empresas acreditando que elas seriam bons investimentos.
O estudo do IBGC também revela outros dados interessantes. Para manter o controle da empresa, o governo costuma indicar as posições de direção e conselho. A principal função do conselho de administração da empresa é monitorar os riscos aos quais ela está exposta. Cabe à diretoria fazer o gerenciamento dos riscos. O estudo do IBGC mostrou que 36,7% das empresas estatais listadas na bolsa não possuem políticas de gerenciamento de risco. Somente 26% possui políticas formais de prevenção contra atos de natureza ilícita.
Nos conselhos de administração, somente 11% dos participantes são considerados membros independentes. Entre as empresas estatais listadas na bolsa, somente 17% fazem parte dos segmentos de listagem com maior exigência de práticas de governança corporativa (Nível 2 e Novo Mercado). Isso significa que 83% das sociedades de economia mista listadas estão submetidas a pouco regramento a padrões mais elevados de governança corporativa. Em 33% dessas empresas, o estatuto social estabelece reserva explícita de vagas no conselho para ocupantes de cargos da administração pública.
Conflito de interesses
Nem sempre as decisões tomadas pelos gestores das empresas estatais terão o objetivo de fazer a empresa crescer, prosperar e lucrar. Existem muitos casos na história de decisões que resultaram em prejuízos e perda de valor da empresa. Enquanto o governo utiliza a empresa estatal para atender interesses de partidos e políticos (exemplo), os investidores esperam que a empresa cresça, prospere e lucre.
As estatais sofrem com os ciclos políticos gerados pelas eleições. Os políticos revezam suas posições de poder a cada 4 anos. Existem políticos que encaram as pessoas que investem nas estatais, como aproveitadores, exploradores ou especuladores no sentido negativo da palavra. Muitas estatais brasileiras foram capitalizadas e conseguiram fazer investimentos graças aos recursos de pequenos investidores.
Sempre que um governo toma decisões que prejudicam os resultados dos investidores, ocorre uma perda de valor da empresa que é registrada pela queda no preço das ações que ela negocia na bolsa.
Já faz tempo que a bolsa tenta mostrar a importância das estatais adotarem regras de governança mais rígidas (fonte). A questão é saber até que ponto isso interessa ao sócio que controla as empresas estatais, que no caso é o próprio governo e seus políticos.
A relação de confiança entre investidores e estatais sempre esteve arranhada e parece que os políticos se esforçam, cada vez mais, para que continua assim.
Para concluir, é sempre bom destacar que esse artigo, assim como todos os artigos que escrevo, não é uma recomendação de investimento ou desinvestimento. Para investir bem você deve investir primeiro na sua educação para poder tirar suas próprias conclusões, sem depender das opiniões de terceiros. Quanto mais informações, conhecimentos e experiências, melhores serão as suas decisões.
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