Neste artigo vamos entender os mistérios por trás do negócio de figurinhas da copa que movimenta bilhões no mundo inteiro. A ideia aqui não é criticar aquele que coleciona figurinhas. Cada pessoa é livre para tomar decisões sobre o que fazer com o próprio dinheiro e o tempo que possui.
O problema é que a liberdade precisa andar de mãos dadas com o conhecimento para funcionar bem. Quanto menos conhecemos, menos decisões livres podemos tomar, mais fácil é fazer aquilo que todos fazem sem compreender como tudo funciona.
Somente para a copa da Rússia, 8 milhões de pacotes de figurinha serão produzidos por dia para serem vendidos por R$ 2 (fonte). Para completar um álbum, você precisa encontrar as 682 figurinhas diferentes comprando centenas pacotinhos com 5 figurinhas aleatórias.
Você já tenha observado que o negócio por trás das figurinhas utiliza matemática, estatísticas, sorte, azar e estratégia. Dependendo da forma como a pessoa fará sua coleção, o custo para completar um álbum pode ser de centenas de reais ou até de milhares de reais. Quando você entende o funcionamento do sistema é possível praticar o seu hobby gastando menos ou até refletir se ele realmente compensa pelo prazer que proporciona diante de outras possibilidades.
Veja o resultado desse estudo exibido que foi exibido TV:
Para iniciar a brincadeira você só precisa comprar um álbum vazio que custa R$ 7,90. Para terminar a brincadeira com o álbum completo, você vai precisar de alguns milhares de reais e bastante tempo livre. O estudo mostrou, através de cálculos estatísticos, que os colecionadores mais sortudos terão de comprar 574 pacotes, totalizando 2870 figurinhas, gastando R$ 1.148,00 para completar o álbum da copa do mundo. Os mais azarados terão um custo médio de R$ 5.354,00. Se o seu nível de sorte ficar na média, você vai gastar pelo menos R$ 1.938,00 (reportagem).
Ainda veremos neste artigo o que justifica essa diferença tão grande entre sortudos e azarados. Também veremos que esse custo poderá ser reduzido se você tiver tempo livre para trocar figurinhas. Você só precisa ter o cuidado de não fazer isso no seu horário de trabalho. Algumas pessoas já perderam o emprego trocando figurinhas (exemplo). Certamente o mesmo está ocorrendo em grande escala dentro das empresas privadas. Até crimes já foram registrados (fonte)
O segredo
Esses valores elevados para completar um álbum se justificam devido a probabilidade de você comprar pacotes com figurinhas repetidas. No início da sua coleção, o primeiro pacote de figurinha dificilmente terá alguma figura repetida. A partir do segundo pacote a probabilidade das repetições aumenta. Quanto mais figurinhas você comprar, maior a probabilidade de desperdiçar dinheiro ao se deparar com todas as figurinhas do pacote repetidas. É como se o custo para conseguir uma figurinha inédita aumentasse a cada pacote aberto.
É esse mecanismo que torna o negócio tão lucrativo para quem produz e vende figurinhas e tão custoso para quem coleciona sem compreender a matemática envolvida no processo.
Nos primeiros R$ 100,00 gastos comprando figurinhas você terá 250 figurinhas (50 pacotes x 5 figurinhas) nas mãos. Cada figurinha custará R$ 0,40. Existirá uma grande probabilidade de encontrar apenas 209 figurinhas inéditas e 41 repetidas nesta primeira compra. Isso significa que cada figurinha inédita terá custado 0,4784 centavos (100/209=0,4784).
Apesar do álbum ter 682 figurinhas, se você comprasse 2000 figurinhas (400 pacotes) gastando R$ 800,00 você só teria 646 figurinhas inéditas e 1354 repetidas. Cada figurinha inédita custaria R$ 1,23 (800/646=1,23) e não mais R$ 0,40 como ocorreu na primeira figurinha. A abertura de cada novo pacote de figurinha faz o seu custo por figurinha inédita aumentar. Ficaria faltando 36 figurinhas para completar o álbum. Para encontrar essas 36 figurinhas o custo seria de mais algumas centenas de reais, pois grande parte do resultado seria de figurinhas repetidas.
A situação do colecionador fica ainda mais complicada se a editora não imprimir e distribuir as figurinhas de forma igual no mercado. Bastaria reduzir a impressão de algumas figurinhas para obrigar o colecionador a gastar ainda mais dinheiro buscando as “figurinhas raras”. Essa prática já deve ter ocorrido no passado, pois em alguns Estados existem leis sobre o comércio de figurinhas (exemplo). O simples fato de alguns colecionadores reterem determinadas figurinhas (não colocando elas para a troca) pode criar essas figurinhas raras exigindo todos os outros colecionadores a comprar cada vez mais figurinhas.
Reduzindo o prejuízo:
Uma forma de reduzir o custo para completar o álbum seria trocar figurinhas com o máximo possível de amigos. Na simulação de alguém que tivesse 20 amigos, que comprariam a mesma quantidade de figurinhas, o custo de cada um seria de R$ 507 para completar o álbum, pois juntos iriam comprar mais de 5 mil pacotes (254 x 20) de figurinhas ou mais de 25 mil figurinhas(254 x 20 x 5). No final, todos teriam um álbum completo e quase 600 figurinhas repetidas cada.
Uma boa estratégia seria comprar as figurinhas repetidas dos seus amigos pagando os mesmos R$ 2 por cada 5 figurinhas ou R$ 0,40 por figurinha. Isso livraria você dos “sorteios” que ocorrem sempre que você compra um novo pacote na banca de jornal. Fugindo desse jogo de azar você poderia comprar as 682 figurinhas por R$ 272,80 (682 x 0,4). Talvez você até consiga comprar essas figurinhas pagando menos de R$ 0,4, pois muitas vezes os outros colecionadores querem se livrar de suas figurinhas repetidas aceitando qualquer preço. Evite comprar figurinhas mais baratas de pacotes fechados na internet. Elas costumam ser produto de roubos (fonte).
Quem produz, vende e lucra com figurinhas tira proveito de questões que envolvem sorte e azar para aumentar seus lucros através de um desperdício inevitável, pois sempre os colecionadores que compram figurinhas nas bancas irão gastar mais do que o necessário para completar seus álbuns. De certa foram, as figurinhas são uma forma legalizada de lucrar utilizando a mesma lógica por trás dos jogos de loteria. Cada pacotinho de figurinha é um sorteio.
A matemática bilionária
A matemática por trás do negócio bilionário das figurinhas é conhecida por “The Coupon Collector Problem” ou Problema do Colecionador de Cupons (fonte). Quanto mais figurinhas compramos, mais figurinhas precisamos comprar para conseguir figurinhas inéditas que ajudem a completar o álbum. Isso significa que o desperdício de dinheiro, adquirindo figurinhas repetidas, aumenta a cada nova compra.
Existem diversos estudos sobre o problema do colecionador de cupons. Alguns estudos, como o da Universidade de Genebra, recomendam que você forme um grupo com pelo menos 9 pessoas para trocar figurinhas e use a possibilidade que algumas editoras oferecem de comprar as figurinhas que faltam para completar o álbum. Se você gosta da matemática e da estatística envolvida baixe o estudo.
O gráfico acima, que está no estudo suíço, mostra que quanto maior o número de amigos unidos para comprar e trocar as figurinhas repetidas, menor será a quantidade de pacotes que devem ser comprados por cada pessoa do grupo para que todos possam completar o álbum. O gráfico mostra que o ideal seria formar um grupo com mais de 9 amigos. Depois de 20 amigos a diferença se torna bem pequena.
Curiosidade: Podemos expandir essa ideia para outras áreas da economia. Aquele que tenta completar o álbum sozinho, sendo individualista, vai acabar pagando bem mais caro para atingir o objetivo. O individualismo torna a vida mais cara em quase todas as áreas. Relações mais próximas entre as pessoas, o compartilhamento e a cooperação torna o custo de vida menor. É por isso que, na sociedade de hoje, o individualismo é um valor muito disseminado, pois muitos negócios só prosperam graças a ele. Um exemplo evidente é a diferença entre uma sociedade onde as pessoas compartilham o transporte e uma sociedade onde cada um tem seu próprio meio de transporte. O custo de vida aumenta com o crescimento do individualismo, isso produz mais despesas, mais consumismo e mais lucros para quem explora esse comportamento humano.
Simulador de colecionador de figurinhas
Um programador inglês usou a matemática por trás do estudo suíço para simular uma pessoa colecionando figurinhas. O software simula um colecionador que compra pacotes de figurinha a cada segundo com o objetivo de completar o álbum da copa de 2014. Para visualizar o processo do início ao fim você deve clicar no botão verde chamado “Start Collecting” (está no quadro abaixo). Se você estiver acessando este artigo através do celular, provavelmente a visualização da simulação ficará prejudicada devido ao tamanho da tela.
Você vai perceber que o processo é bem demorado, mesmo com a animação acelerada. Isso demonstra o tempo que você irá consumir na vida real para completar o seu álbum. Como o sistema faz um sorteio de 5 figurinhas, cada simulação será diferente da outra, cada colecionador simulado gastará uma quantidade maior ou menor de tempo e de dinheiro comprando figurinhas, pois tudo dependerá de sorte ou azar. Você verá no simulador que a cada pacote aberto, o número de figurinhas repetidas tenderá a crescer. O custo por pacote é de 0,5 libras. Depois de vários minutos observando, você vai constatar que em determinado momento, quase todos os pacotes só possuem figurinhas repetidas, tornando a experiência do colecionador cada vez mais cara e desanimadora. Provavelmente você não terá paciência para esperar a animação terminar.
Simulações para os avançados
Faz pouco tempo que estou estudando uma linguagem de programação muito utilizada por economistas que se chama R. Ela é uma linguagem e também um ambiente de desenvolvimento para cálculos estatísticos e gráficos. Faço esses estudos por hobby. Encontrei um script na internet que faz os cálculos estatísticos que provavelmente foram usados no estudo que apareceu na TV (fonte).
Fiz algumas mudanças no código para simular as 682 figurinhas do novo álbum da copa. No lugar de simular 3.000 álbuns preenchidos eu simulei o preenchimento de 100.000 álbuns, como o estudo da TV. O código R ficou assim:
#------------------------------------- Completo <- seq(1:682) guarda2 <- NULL for (i in 1:100000) { loop <- 0 S <- NULL while (length(S) < 682) { S <- unique(append(sample(Completo,5), S)) loop <- loop + 1 } guarda2[[i]] <- loop } summary(guarda2) quantile(guarda2, c(0,.99)) quantile(guarda2, c(0,.1,.2,.3,.4,.5,.6,.7,.8,.9,.99)) #-------------------------------------
O código acima simula o preenchimento de 100.000 álbuns de figurinha. Para cada álbum simulado ele iniciará a abertura de pacotes com 5 figurinhas. Essas figurinhas podem ser qualquer uma entre 682 possibilidades (figurinhas diferentes). O código vai registrar as figurinhas inéditas que forem encontradas. O processo de abertura de novos pacotes de figurinha vai se repetir quantas vezes forem necessárias até que o código encontre as 682 figurinhas diferentes em todos os sorteios que representam a abertura de um novo pacote.
Como cada pacote de figurinha aberto funciona como um sorteio, o número necessário de pacotes abertos será diferente em cada uma das 100 mil simulações. Em algumas vezes, o simulador terá sorte e preencherá o álbum com menos pacotes. Em outras vezes o simulador terá azar e preencherá o álbum abrindo um grande número de pacotes.
No final dos 100 mil álbuns preenchidos pelo simulador, podemos observar alguns números interessantes que serão descritos logo abaixo.
summary(guarda2) Min. 1st Qu. Median Mean 3rd Qu. Max. 566.0 844.0 938.0 967.1 1057.0 2775.0 quantile(guarda2, c(0,.99)) 0% 99% 566.00 1515.01 > quantile(guarda2, c(0,.1,.2,.3,.4,.5,.6,.7,.8,.9,.99)) 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 566.00 776.00 825.00 864.00 900.00 938.00 980.00 1029.00 1092.00 1194.00 99% 1515.01
Na média foi necessário abrir 966 pacotes de figurinha para completar os 100 mil álbuns. 50% dos 100 mil álbuns precisaram de menos de 938 pacotes para serem completados e os outros 50% precisaram de mais de 938 pacotes. 25% precisaram de menos de 844 pacotes. 25% precisaram de mais de 1057 pacotes para completar o álbum. A simulação mais sortuda de todas as 100 mil conseguiu completar o álbum abrindo 566 pacotes. A simulação mais azarada exigiu a abertura de 2.775 pacotes de figurinha. Com 1515 pacotes abertos seria possível completar 99% dos 100 mil álbuns. Somente 10% dos álbuns poderiam ser finalizados com 776 pacotes de figurinha. Os números são bem próximos dos exibidos na TV.
Esse artigo foi apenas uma curiosidade com o objetivo de mostrar que existe um mundo complexo por trás do simples ato de comprar um álbum de R$ 7,90 com o objetivo de completá-lo. Quem produz e vende esses álbuns compreende toda essa complexidade e usa ela para maximizar lucros. O mesmo acontece com todos os serviços e produtos que você consome e que envolvem decisões sobre o uso do seu dinheiro.
O importante é a busca por compreensão sobre como as coisas funcionam para que possamos fazer tudo que queremos de uma forma livre e consciente.
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