A gula é um vício pior do que você imagina. Veremos que a gula é uma das portas de entrada dos demais vícios que prejudicam a sua independência financeira e outros aspectos da sua vida.

Esse artigo faz parte da série que estou escrevendo sobre vícios de comportamento. Já escrevi sobre soberbainvejaluxúria, preguiça e avareza.

Deixei a gula e a ira para serem temas dos últimos artigos sobre vícios, pois geralmente as pessoas ficam irritadas quando alguém fala de suas gulas. Sendo assim, alerto que você provavelmente ficará irritado ou até ofendido se a gula que você ama for afetada pelo artigo.

A gula é o apetite desordenado ou irracional de comer e de beber algo pela busca desenfreada de prazer fácil ou felicidade passageira.

A gula é o mais barato prêmio de consolação por uma vida com pouco propósito, rotineira, preguiçosa e sem sentido. O consumo descontrolado de bebida alcoólica, fumo e outras substâncias também fazem parte da gula. O culto ou os rituais no entorno de determinadas bebidas ou comidas, também fazem parte da gula por ter relação com a busca de prazer fácil e rápido, fazendo a pessoa perder o controle.

Todos os fins de semana, milhões de pessoas abusam da comida e da bebida como uma espécie de fuga da realidade. Nem sempre isso é feito com base na maior quantidade de comida, mas pode ser feito na ideia de maior exclusividade da comida/bebida.

Nos atuais rituais de gula, muitas fotos são tiradas e postadas nas redes sociais. Pratos caros, banquetes, lugares requintados e bebidas sofisticadas em excesso funcionam como falsos sinais de sucesso e felicidade.

Existe uma parábola medieval que era contada para que as pessoas percebessem que a gula pode ser a porta de entrada para todos os outros vícios por representar o descontrole mais básico que existe. Vou contar uma versão dessa história:

Em um passado distante, um monge estava meditando quando teve uma aparição de um demônio. O demônio disse ao monge que ele poderia escolher cometer um pecado qualquer sem ser prejudicado por isso, pois tudo ocorreria em uma espécie de mundo imaginário.

Sem saber como fugir daquela situação, o monge escolheu a gula, pois considerava a gula o menor de todos os pecados.

Na parábola, o monge foi transportado pelo demônio para um mundo imaginário farto em comidas e bebidas de todos os tipos.

O monge come e bebe como se fosse um rei. Ele se sente orgulhoso por essa oportunidade de desfrutar de comidas de bebidas requintadas, exclusivas como verdadeiras obras de arte da altíssima gastronomia (soberba).

O monge não consegue se controlar, tamanha a sua felicidade, e logo fica embriagado.

Então ele vê um homem que se deleitava bebendo algo ainda mais raro e sofisticado do que tudo que ele tinha visto naquele lugar. O monge sente inveja do prazer e da felicidade que o homem sentia. O monge resolve furtar a bebida do homem.

Para evitar compartilhá-la (avareza), o monge procura um esconderijo para esconder a bebida furtada, mas não consegue, pois se sente exausto de tanta comida e bebida e resolve dormir (preguiça).

Caído no chão, ele acorda com as gargalhadas de uma mulher que ironizava a sua situação decadente. O monge sente uma tremenda raiva da mulher (ira), mas antes de qualquer agressão, o monge nota a beleza da mulher, cede à luxúria e a deseja.

O dono da bebida furtada aparece, o confronto ocorre, uma garrafa se quebra e o monge acaba ferindo o homem mortalmente.

O monge acorda do pesadelo. A gula foi a porta de entrada para todas as outras desgraças por ser o primeiro de todos os descontroles. O monge aprendeu que a gula é tão perigosa quanto todos os outros vícios.

O objetivo dessa parábola era mostrar que a gula é o primeiro passo do descontrole da razão, pois a busca por prazeres pode fazer você perder o controle que você deveria ter sobre o próprio corpo.

Você provavelmente conhece pessoas que gastam mais do que deveriam para satisfazer desejos e prazeres que envolvem comer e beber coisas caras em lugares sofisticados de forma constante e abundante. Muitas vezes, isso se torna algo exagerado, como se isso fosse o sentido da vida. Esse tipo de gula está frequentemente associado a algum tipo de luxúria.

Quando você inicia uma busca por prazeres sensoriais, como se isso fosse um objetivo de vida, a tendência é a de você perder o controle.

Aqui estão alguns tópicos que você pode refletir:

  1. Despesas Excessivas: A gula, quando aplicada à educação financeira, pode se manifestar como despesas excessivas e supérfluas. Pessoas que cedem aos desejos momentâneos de gastar dinheiro em itens não essenciais podem encontrar dificuldades em economizar e investir para alcançar a independência financeira. Tudo fica pior quando a pessoa resolve se exibir para os outros pagando a bebedeira e a comilança alheia.
  2. Consumo Emocional: A gula também pode estar ligada ao consumo emocional. Algumas pessoas tendem a gastar dinheiro para preencher vazios emocionais, comprando coisas (comidas e bebidas) que não precisam como uma forma de gratificação instantânea. Isso não apenas prejudica o progresso financeiro, mas também pode levar a um ciclo de endividamento. Geralmente isso envolve o culto a algum tipo de bebida ou comida cara.
  3. Dificuldade em Manter Hábitos Saudáveis: No longo prazo, a gula fará você gastar mais dinheiro do que deveria com tratamento de doenças, tratamentos estéticos, tratamento de vícios e outros que envolve recuperar aquilo que a gula fez você perder. Nessa etapa também existem muitas empresas lucrando oferecendo “milagres” que não existe esforço e que só fazem você perder tempo e dinheiro.
  4. Falta de Controle: A gula muitas vezes está associada à falta de controle sobre os impulsos. Isso pode resultar em problemas como endividamento excessivo e falta de fundos para emergências. Um dos pilares da independência financeira é a capacidade de controlar e direcionar conscientemente os recursos financeiros. Se você não controla o seu estomago, não vai controlar o seu bolso com facilidade.
  5. Dificuldade em Adiar a Gratificação: A busca pela independência financeira muitas vezes envolve adiar a gratificação imediata em prol de metas de longo prazo. A gula está relacionada com a gratificação imediata e com pouco esforço. Ela pode se tornar um prêmio de consolação. Isso pode dificultar essa habilidade, levando as pessoas a preferirem a satisfação instantânea pela boca e pelas compras em vez de investir para um futuro mais seguro e estável.
  6. Falta de Foco nos Objetivos: A gula pode desviar a atenção das metas financeiras de longo prazo. Pessoas que estão constantemente buscando gratificação imediata podem perder de vista o quadro geral e os esforços necessários para construir riqueza ao longo do tempo.

Todos lucram com sua gula

Só quem perde com sua gula é você mesmo. Muitas empresas lucram quando as pessoas se tornam viciadas e cometem excessos. Existem aquelas que lucram com sua gula e aquelas que lucram tratando as consequências da sua gula.

Já os governos sempre arrecadam mais impostos quando você gasta mais dinheiro e economiza menos. Além disso, uma sociedade enfraquecida por vícios de todos os tipos é mais fácil de controlar.

Todos vão tentar induzir você a acreditar que deveria tornar seus vícios mais caros e sofisticados. Muitos vão tentar convencer você de que uma vida cheia de vícios, manias e sofisticação é uma vida feliz.

Sofisticação da vida

Quando você resolve investir o seu tempo buscando conhecimentos para tornar esses prazeres sensoriais muito sofisticados, exclusivos e caros, você começa a entrar em um jogo perigoso.

No entorno de determinadas bebidas e comidas existe uma espécie de “culto do prazer”.

Você sempre será convidado por algum “iniciado” a se converter a algum tipo de “culto gastronômico sofisticado”. A ideia é fazer você gastar muito tempo, muita energia e dinheiro com as práticas e os rituais de uma espécie de “culto hedonistas do bom gosto”.

Assista ao vídeo abaixo para ver um exemplo sobre o culto do bom gosto.

O vídeo acima mostra um cantor, sobrinho do falecido Tim Maia, descrevendo o “Culto ao Vinho” dos cariocas que é diferente do “Culto ao Vinho” dos paulistas. Ele faz uma espécie de julgamento sobre os “ritos litúrgicos” da enofilia carioca e paulista.

Existem pessoas que cultuam bebidas e comidas como se fossem uma “religião do prazer e do bom gosto”.

Elas fazem cursos, viajam, compram livros que são como bíblias cheias de regras e mandamentos sobre o culto que estão participando. Frequentemente observam as outras pessoas para apontar seus “pecados” relacionados ao culto do prazer. Com isso, elas se sentem superiores aos outros (soberba).

O cantor continuará descrevendo “o culto” no vídeo abaixo. Ele falará sobre aquilo que “não é de Deus” na enofilia, depois vai descrever códigos de conduta, mandamentos e julgará os “pecadores” da enofilia.

Caso você queira aprofundar seus conhecimentos, existe o vídeo sobre como degustar um bom caviar, veja aqui. Você será introduzido em uma sofisticada doutrina de degustação que envolve objetos “litúrgicos” como a colher madrepérola que evita o pecado da oxidação do caviar.

Parecer para os outros que você é uma pessoa sofisticada é um trabalho exaustivo e caro que levará você para o “mundo do nada”. É uma escolha pessoal viver gastando tempo, energia e dinheiro cultuando “O Nada” em nome de “Coisa Nenhuma”.

Quando você faz uma escolha, precisa deixar todas as outras escolhas possíveis de lado, já que não temos todo o tempo, disposição e dinheiro do mundo para focar em todas as coisas que o mundo nos oferece.

Cabe a cada pessoa julgar o que vai fazer com seus próprios recursos (tempo, dinheiro e disposição).

Plantar é opcional, mas colher o que plantou é obrigatório. Quais são os frutos de quem planta enofilia ou cultiva coisas semelhantes envolvendo outras bebidas, comidas e práticas sofisticadas de hedonismo?

Vejo muitas pessoas que não possuem base nenhuma para gastar tempo, dinheiro e energia nesse tipo de atividade hedonista.

Toda dedicação, todo esse conhecimento para assimilar essas informações, mandamentos e julgamentos dos outros pode ser apenas distração ou fuga de coisas importantes.

Para quem tem muito dinheiro e tempo, viver assim é uma escolha. Mas nem todos tem condições de viver assim. Você provavelmente conhece aquela pessoa que não ganha muito, mas gasta tudo que ganha em restaurantes caros, consumindo comida e bebida da moda para se sentir especial, para provocar inveja ou para compensar alguma frustração.

A “gourmetização” da comida, bebida e da vida é um engodo.

A gula é o primeiro desrespeito contra você mesmo. Desrespeita a sua saúde, seu tempo e o seu dinheiro. Os outros desrespeitos contra você são uma consequência. Talvez você não exagere na quantidade, mas vai tender a se sofisticar e exagerar na qualidade e no preço. A sua busca por mais experiências nunca vai terminar e você corre o risco de se perder, pois muitos lucram com essas coisas e gastam fortunas com marketing para fazer você acreditar que isso tudo é o significado da boa vida.

A gula é um problema antigo

Não é à toa que a “gula gourmetizada” se pareça com uma religião, cheia de fanáticos pregando o que é certo ou errado.

Antes de Roma se converter ao cristianismo, ocorriam banquetes caracterizados pelo excesso de comida, bebida, sexo, dança e uma série de comportamentos hedonistas. Hedonismo é a busca pelo prazer como finalidade última da vida a ser alcançada pelos seres humanos.

Quanto maior a variedade e a sofisticação das comidas e das bebidas, mais prestígio as pessoas tinham. Existia uma espécie de gurmetização, como acontece hoje. Os eventos realmente tinham uma questão religiosa e de ritual, pois homenageava deuses como Baco, que era deus do vinho, da embriaguez, dos excessos, incluindo os sexuais.

Estatua em homenagem ao deus Baco, em uma vinícola popular na cidade de Bento Gonçalves (RS)

Mesmo após a conversão ao cristianismo (que condenava vícios e valorizava as virtudes), os romanos tiveram dificuldade para se livrar do hedonismo. Sempre ocorreu um aumento do hedonismo e da busca por prazeres e excessos de todos os tipos, especialmente entre os que comandavam o país. A busca pelo prazer pessoal e imediato pode ter levado a uma decadência moral do império, com pessoas voltando sua atenção para o próprio bem-estar em detrimento das responsabilidades cívicas e morais.

Somente após a queda do império de Roma (ocidental em 476 d.C), ocorreu um maior destaque ao estudo e classificação dos vícios de comportamento (pecados capitais), usado para educar e instruir as pessoas no ocidente na idade média. A lista original incluía oito pecados: gula, luxúria, avareza, ira, tristeza, acídia (preguiça), vaidade e orgulho.

No século VI, São Gregório Magno revisou a lista e reduziu para sete pecados, combinando a tristeza com a acídia e a vaidade com o orgulho. A lista final dos sete pecados capitais ficou assim: gula, luxúria, avareza, ira, preguiça, inveja e soberba. Esses pecados são considerados “capitais” porque são os principais vícios que levam a outros comportamentos imorais.

Hedonismo e o autodomínio

Por toda parte existem provas de que vivemos em uma sociedade que encontra o sentido da vida na busca pelo prazer como finalidade última da vida a ser alcançada.

O problema é que se você não for capaz de controlar nem nos instintos básicos (como a gula), quais outros controles você terá na sua vida? Se você não tem autodomínio com o básico, será que terá autodomínio em outras áreas?

Quando você não tem autodomínio você se torna escravo de seus desejos. Isso é muito ruim, pois é quase impossível para esse tipo de pessoa perceber que está escravizada, a não ser pelo ódio que ela sente quando alguém aponta seus vícios. Você já deve ter ouvido falar da história do virtuoso que foi morto pregado na cruz por ter tentado ajudar os escravizados pelos vícios.

O fato é que satisfazer todos os desejos de forma abundante, descontrolada e sofisticada é apenas uma forma lenta de degradação pessoal. Não tem qualquer relação com felicidade e liberdade. Você só colherá ansiedade, dependência e fraqueza.

Hoje existem muitos tratamentos caros para combater essas coisas, mas você já percebeu como o jejum é algo importante em diversas religiões?

O jejum é um exercício do autodomínio poderoso, só que não existem produtos e serviços que possam ser lucrativos com a recomendação do jejum.

O jejum é uma forma de mostrar para você mesmo quem é que manda.

Tente jejuar de seus vícios e hábitos e descubra quem é que realmente manda em você.

Seus avós já sabiam que o jejum é um exercício de autodomínio. Na tradição católica existe o jejum semanal, que ocorre na sexta-feira em memória da Paixão de Cristo e na Quaresma, um período de 40 dias de jejum depois do Carnaval e antes da Páscoa. Inclusive o carnaval é um ritual os excessos que ocorre antes dos 40 dias de jejum.

Se você cultiva a mentalidade de que está nessa vida para provar todas as comidas, provar todas as bebidas, viajar pelo mundo para ter todas as experiências sensoriais que o dinheiro pode comprar (visão, audição, olfato, paladar e tato) tenha cuidado com isso. Faça com moderação, protegido por virtudes, pois muitas pessoas não sabem o momento de parar e acabam se perdendo em uma fuga sem fim.

Você precisa desenvolver uma virtude chamada temperança para manter a moderação.

A temperança é uma das quatro virtudes cardeais e é considerada a virtude que modera o desejo por prazer e equilibra o uso dos bens. A temperança é a virtude que ajuda a controlar a gula e a luxúria, moderando o desejo e promovendo o equilíbrio.

Praticar a temperança ajuda você aproveitar a vida sem se tornar escravo dos prazeres, sem perder tempo e energia com cultos de marcas de bebidas e comidas que são introduzidos e patrocinados pelas empresas que lucram com essas bobagens.

Ninguém lucra com sua temperança, mas todos lucram com sua gula e vícios. Lembre-se disso e busque o autocontrole.

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