Existe uma polêmica entre especialistas sobre presentear crianças com dinheiro em datas como natal, aniversário e dia das crianças. Eu acredito que o ato em si não é bom e nem mau, mas o contexto pode ser positivo ou negativo. Se você está planejando dar dinheiro para seu filho(a), sobrinho(a), neto(a) ou alguma criança, leia esse artigo.
No contexto da educação financeira, a dúvida é se dar dinheiro para uma criança ajuda ou atrapalha sua educação com relação ao universo do dinheiro.
Dinheiro é poder que exige controle
Devemos entender o dinheiro como uma “unidade de poder“. Com dinheiro nas mãos podemos muitas coisas que não podemos sem ele.
Poder sem controle não tem muita utilidade e costuma ser desastroso. Imagine um veículo poderoso e potente sem um motorista capacitado, sem volante, freios e outras formas de controle. Dinheiro é como um veículo poderoso. Poder precisa ser entregue com conhecimento e o preparo necessário para que você possa se responsabilizar pelo bom uso desse poder.
Teoricamente, ao dar dinheiro, você está entregando para a criança o poder e a liberdade para escolher o que ela deseja.
O problema é que nem sempre as crianças estão prontas para essa responsabilidade. Nem sempre elas estão prontas para lidar com o poder de realizar seus próprios desejos com o dinheiro. Será que realmente temos controle sobre o que desejamos?
Os outros no controle
Muitas vezes esses desejos que as crianças carregam foram “plantados” por equipes de propaganda e marketing que trabalham para grandes marcas e empresas com o objetivo de influenciar seus filhos. Se influenciar os desejos dos adultos parece fácil para profissionais qualificados, imagine influenciar os desejos das crianças.
As crianças deveriam ser avisadas pelos pais que essas coisas existem, principalmente se tiverem mais idade para compreender. Muitas vezes o vício do consumismo começa na infância e sempre envolve a permissão que damos para os outros influenciarem nossos desejos. Os outros podem ser empresas, suas marcas e pessoas contratadas por essas empresas para nos influenciar. Depois de alguma idade as crianças já podem entender que para as empresas elas são apenas “peças” a serem manipuladas e cabe a elas permitir ou não essa manipulação.
Também temos a tendência de desperdiçar aquele dinheiro que nos chega de forma mais fácil. Talvez essa questão do dinheiro fácil seja o maior problema ao dar dinheiro para as crianças.
Uma vez uma pessoa me disse: “…era mais fácil realizar meus desejos quando usava o cartão de crédito. Quando comecei a poupar para só depois comprar, ficou mais difícil desperdiçar dinheiro. Passei a pesquisar e planejar antes de comprar. É mais fácil gastar o dinheiro do cartão de crédito do que o dinheiro que poupamos”.
A lógica também funciona quando as crianças que recebem “dinheiro fácil” dos pais. Sempre é mais fácil gastar o dinheiro dos nossos pais. Qualquer motivo sem importância será um bom motivo para gastar aquilo que veio fácil.
Fontes de dinheiro fácil
Ao dar dinheiro para seus filhos tenha o cuidado para não transmitir a ideia equivocada de que: “Papai e Mamãe são fontes de dinheiro fácil”.
Você e seus filhos deve saber que as pessoas que “ganham dinheiro fácil” passam muitos anos difíceis conquistando conhecimentos e experiências até o dia em que ganhar dinheiro pareça ser fácil quando visto pelos outros.
Um grande empresário, um grande médico, advogado, engenheiro, executivo de empresas ou investidor, pode ganhar muito “dinheiro fácil” depois que seu nível de conhecimento e experiência tornou sua atividade fácil. As crianças precisam entender isso.
Conheço empresários e investidores que ganham dinheiro até dormindo, mas para chegar nesse ponto eles passaram muitas noites acordados se preparando para esse dia.
Se os pais são rotulados de “fontes de dinheiro fácil” ou “fontes de dinheiro grátis” ainda na infância, isso provavelmente será carregado pelo resto da vida dos filhos.
E diante de qualquer esforço ou qualquer dificuldade necessária para se atingir um grande objetivo, o jovem se lembrará que “Papai e Mamãe são fontes de dinheiro fácil” e ali morrerá toda e qualquer motivação para enfrentar os desafios e as dificuldades necessárias para se conquistar coisas que realmente valem a pena conquistar.
História completa
É importante que seus filhos conheçam sua história de vida, entendam o que você andou fazendo para chegar onde chegou. Já foi muito importante no passado transmitir para os jovens a biografia e aventuras de seus pais, avós e outros antepassados.
A criança precisa entender que a vida que ela tem hoje é consequência de uma longa história e que as condições de hoje são bem melhores que as condições do passado. Isso deve ser entendido como uma oportunidade.
Se a criança não for informada sobre a história completa, ela não terá a percepção clara de que a vida que ela tem hoje é fruto de uma construção lenta que começou muitas décadas ou até séculos no passado. Cabe a ela dar continuidade, pois provavelmente ela também terá filhos e netos no futuro. Isso ajuda a criança a entender de onde veio, onde está e para onde vai.
Melhores presentes
Uma vez o pesquisador norte-americano, Thomas Stanley, perguntou para pessoas que se tornaram milionárias se concordavam com a afirmação: “o que aprendi na escola/faculdade/cursos foi de pouca utilidade para o meu sucesso“. Apenas 14% concordaram e 80% discordaram.
Quando foram perguntados sobre “quais foram os maiores presentes que receberam dos seus pais” a resposta mais comum foi algo como: “mensalidades escolares”, faculdades, cursos e outras fontes de ensino. Somente um em cada três relatou que seu maior presente foi algum tipo de ajuda financeira. É a ideia de que aprender a pescar, no longo prazo, é bem melhor que receber o peixe.
O Stanley concluiu em suas pesquisas, com pessoas que se tornaram milionárias, que as melhores coisas que você pode dar para seus filhos, pensando no seu sucesso financeiro são: boas escolas e um ambiente que honre a independência de ação e pensamentos.
Ele constatou que é importante que os pais valorizem e recompensem as realizações individuais e toda atitude que envolva assumir responsabilidades e a liderança.
A responsabilidade dá o sentido da vida
Existe outro autor chamado Jordan Peterson que costuma dizer que a “responsabilidade é que dá sentido para a vida humana” e que as crianças e os jovens anseiam desesperadamente por responsabilidades.
O problema é que isso vem sendo negado por muitos pais movidos pelo desejo de dar, prover, satisfazer todas as necessidades, desejos e maus hábitos que as crianças vão colecionando com o tempo. A intensão de proteger os filhos é boa por um lado, mas o exagero pode estragar tudo. É como uma planta que é exageradamente regada e adubada até o ponto que fica fraca pelo exagero de cuidados.
A frase acima é de um dos investidores mais ricos do mundo e eu acredito que esse conselho serve para todos. Se você já leu biografias de pessoas bem-sucedidas, provavelmente percebeu que elas não tinham o suficiente na infância. Se você dá tudo para o seu filho, corre o risco de estar tirando dele a vontade de querer ter tudo por conta própria.
Um ambiente que valoriza a independência é aquele que prepara a criança para que possa viver por conta própria no futuro. Não existe nada de novo nisso. Até as tribos mais primitivas estimulavam suas crianças a assumirem responsabilidades que garantissem sua sobrevivência no futuro.
Não precisamos mais aprender a coletar alimentos, plantar, caçar e lutar contra predadores para garantir nosso futuro. A nossa sociedade exige outras habilidades como: capacidade de aprender algo novo rapidamente, habilidade de comunicação (escrita, falada e até online no idioma nativo e em outro idioma), criatividade, planejamento, organização, liderança, proatividade etc. Também é muito importante aprender a lidar com o dinheiro, pois sempre estaremos envolvidos por questões financeiras, consumo, poupança, investimentos etc.
Aprender a ganhar dinheiro e a poupar e investir dinheiro são três habilidades importantes este mundo onde vivemos. Você só pode ensinar para o seu filho aquilo que você já aprendeu. Por isso, a educação financeira do filho começa na educação financeira dos pais.
Fazendo dinheiro fácil
Recentemente minha filha me perguntou como ela poderia ganhar mais dinheiro (13 anos de idade). Sua “mesada” estava vinculada com o desempenho das notas que tirava nas provas da escola e curso de inglês e o resultado já estava insuficiente, mesmo tirando boas notas (uma insuficiência motivadora e educativa).
Eu disse para ela que existem várias formas de se ganhar dinheiro e podemos dividir essas formas em grupos:
- Você pode comprar uma coisa barata em quantidade e depois vender mais cara por unidade. É isso que todo comercio faz.
- Você pode comprar materiais baratos, misturar e criar um novo produto mais caro. É isso que a indústria faz.
- Você pode usar suas habilidades para fazer algo de valor para outra pessoa. É o que os prestadores de serviços fazem.
- Você pode cultivar ou extrair alguma coisa de valor da natureza para vender. É o que os agricultores e mineradores fazem.
Então ela me disse que uma menina da escola estava ganhando dinheiro vendendo brownie na hora do recreio. Vendia tudo que levava, ou seja, a procura era maior que a oferta. A própria menina fazia os brownies e pelo que entendi a mãe da menina a estimulava por ser uma atividade empreendedora. Para a menina era algo divertido (todo trabalho deveria ser assim).
Minha filha se mostrou interessada em fazer a mesma coisa, pois achava que seria divertido concorrer com sua amiga. Aproveitei a oportunidade para estimular sua iniciativa e tratei como se ela estivesse iniciando seu primeiro negócio.
Falei que se não desse certo, pelo menos ela teria uma história interessante para contar, pois é isso que empresários e pessoas bem-sucedidas fazem quando dão entrevistas, apresentam palestras ou escrevem biografias dizendo: “Comecei a trabalhar com 13 anos vendendo doces na escola.”
Na verdade ela já tinha vivenciado a experiência de vender algo que ela mesmo produziu. Talvez você já tenha visto uns mini cactos ornamentais que são vendidos até em supermercados. Ela tinha alguns e descobriu que era muito fácil produzir outros mini cactos “gratuitamente” replantando fragmentos do cacto original. Descobriu uma forma “fácil de fazer dinheiro”. Ela chegou a produzir para presentear e chegou a vender para alguns parentes.
Primeiro ela precisava definir o que iria vender. Por iniciativa dela, pesquisou na escola quais doces eram vendidos na cantina, quais eram os preços e quais doces os amigos dela mais gostavam. Fui com ela até um supermercado atacadista onde os doces de boas marcas eram vendidos em quantidades maiores e por isso eram mais baratos. Mostrei que a matemática ensinada na escola tinha utilidade. Ela calculou os custos, definiu os preços e margens de lucro como se estivesse brincando.
Disse que iria investir R$ 30 no negócio dela e ela faria o investimento de mais R$ 30 do próprio bolso (insuficiência educativa). Expliquei que ela poderia reinvestir os lucros e comprar mais doces da próxima vez, ou seja, esse dinheiro faria o “negócio girar” como um combustível.
Compramos os doces e ela começou a fazer suas vendas como se estivesse em uma brincadeira. Criou um logotipo, distribuiu seu WhatsApp entre os amigos para receber pedidos, criou promoções, combos promocionais, estimulou os amigos a comprarem doces para presentear outros amigos no recreio. Fez brincando muitas coisas que muitos adultos não fazem em seus negócios.
O resultado da brincadeira foi que em menos de um mês ela transformou os R$ 60,00 em R$ 300,00. Não preciso falar sobre a felicidade que ela sentiu “fazendo” seu próprio dinheiro. Como as notas eram pequenas (R$ 2 e R$ 5) o volume de dinheiro era grande e isso era impactante. Para ela, fazer dinheiro parecia mais fácil do que ela podia imaginar.
O problema foi que outras crianças resolveram entrar na brincadeira. Era uma atividade com “sem barreira de entrada” e concorrentes surgiram por todos os lados. Logo virou uma bagunça e a escola resolveu intervir, proibindo o comércio das crianças no recreio. A cantina da escola deve ter ficado feliz, pois ela possui monopólio garantido.
De qualquer forma, foi uma oportunidade divertida para aprender. A escola se comportou como o governo que sempre tenta proibir, restringir, regular e impedir a livre iniciativa. Somente a cantina da escola tem autorização para vender alimentos e doces, como um monopólio. Isso permite que a cantina venda doces mais caros, pois a concorrência é proibida.
Ficou a lição de que “fazer dinheiro” não é tão difícil. Pode ser difícil se você não gostar do que faz, não souber fazer e principalmente não estiver interessado em aprender e desenvolver novas habilidades. Vão existir desafios como a concorrência e até as regulações e proibições e isso pode obrigar você a buscar novas alternativas.
No caso da minha filha, a experiência de ter comercializado algo pode ser aplicada em qualquer área no seu futuro profissional. Podemos tirar os doces e colocar qualquer outra coisa no lugar e a mecânica será a mesma. Muitos adultos sofrem por serem incapazes de divulgar e vender seus produtos ou serviços. Existem excelentes profissionais, tecnicamente preparados, que falham nas vendas e no marketing. São coisas que as escolas não ensinam, assim como aprender a poupar e a investir o dinheiro que ganhamos durante a vida. Só que tudo isso pode ser aprendido se existir vontade.
Conclusão
Se você puder oferecer essas experiências para seus filhos, serão grandes presentes.
Basta aproveitar os interesses deles e as oportunidades que eles mesmos criam. Ensinar a pescar sempre será mais valioso do que só entregar o peixe ou dar o dinheiro que muitas vezes não será gasto comprando peixe, mas será gasto comprando algo desnecessário.
Lembre-se: as crianças querem oportunidades, responsabilidades e reconhecimento pelos seus feitos. Elas adoram andar com as próprias pernas, mas você precisa oferecer o ambiente que motive isso.
Presentes são presentes e você deve dar para a sua criança o que você acha melhor dar, normalmente é algo que a criança precisa e nem sempre é algo que ela deseja (por força da influência dos outros).
Não ter o suficiente de tudo que se deseja, quando somos crianças, pode ser muito estimulante e educativo se for bem administrado pelos pais. Além da capacidade de “fazer dinheiro” também devemos motivar a capacidade de “poupar dinheiro” e de “investir dinheiro” para atingir objetivos maiores no futuro.
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