Será que existe uma bolha na bolsa brasileira? Você viu algum gestor de fundos de investimentos ou executivo de banco declarando na imprensa que as ações estão caras? Será mesmo que essa preocupação com o pequeno investidor é movida por um desejo de ajudar pequenos investidores como eu e você?

Vamos entender como isso funciona.

No artigo anterior (leia aqui) mostrei que 98,58% dos atuais investidores na bolsa são pessoas físicas e somente 1,42% são instituições como fundos de investimentos, bancos, gestores de grandes fortunas, empresas etc.

Devemos observar com atenção que esse 1,42% é responsável por mais de 80% de todo dinheiro movimentando na bolsa entre compras e vendas de ações. As pessoas físicas são responsáveis somente por 19% do movimento.

Se entendemos que os movimentos dos preços das ações na bolsa são uma consequência das pressões vendedoras e compradoras de ações (oferta e demanda), então as instituições são responsáveis por 80% das variações nos preços das ações.

Na tabela abaixo (fonte) podemos verificar o total de dinheiro movimentado na bolsa (compras e vendas de ações) durante o mês de janeiro de 2020 dependendo do tipo de investidor.

Olhando a tabela, fica evidente que instituições brasileiras (institucionais) e investidores estrangeiros (que também são instituições como bancos e fundos de investimentos estrangeiros) estão no controle de toda movimentação dos preços.

Dessa forma, quando gestores de grandes fundos de investimentos (veja um exemplo) e executivos de grandes bancos (veja um exemplo), começam a aparecer na imprensa, tentando alertar o pequeno investidor sobre as ações estarem caras ou sobre a existência de uma bolha, devemos parar para refletir sobre as motivações.

Seria uma atitude altruísta (inclinação de natureza instintiva que incita o ser humano à preocupação com o outro)?

Teria alguma outra motivação, pois, afinal de contas, eles são responsáveis por 80% de tudo que é comprado e vendido na bolsa e por isso são eles que definem a direção dos preços. Na maior parte do tempo esses grandes investidores estão comprando e vendendo ações entre eles, movimentando enormes volumes de dinheiro. O número de grandes investidores é tão pequeno que muitos se conhecem e participam dos mesmos jantares.

A grande questão é que esses grandes investidores não são como pessoas físicas, que são orientadas a comprar ações todos os meses sem olhar os preços. Esses grandes investidores monitoram os preços de perto e entendem quando chega o momento começar ou parar de comprar e vender considerando o preço atual, resultados passados e expectativas sobre resultados futuros das empresas.

O problema é que o pequeno investidor tende a comprar ações através de recomendações de terceiros e esses terceiros são justamente as instituições financeiras (corretoras, bancos e gestores de fundos). Frequentemente aparecem na imprensa e nas redes sociais através de influenciadores, funcionários e executivos. Nessas aparições, eles frequentemente listam suas ações preferidas e falam sobre quais ações já possuem na carteira. Eles nunca revelam quais ações estão comprando ou pretende comprar. Eles só falam sobre ações que já estão compradas e já fazem parte da carteira aguardando um bom momento para venda.

Quando alguns desses gestores institucionais aparece na imprensa falando que a bolsa está barata/cara, que ações de determinados setores são uma oportunidade/risco ou que gostam ou não de determinada ação, não seria coerente imaginar a possibilidade desses agentes já terem compraram essas ações? Será mesmo que são movidos pelo desejo de ajudar você?

Recentemente uma gestora de fundos de investimentos resolveu publicar um relatório (abertamente divulgado na internet, sem qualquer custo) onde questionava a recorrência de resultados financeiros de uma determinada empresa listada na bolsa. É uma empresa do setor de seguros, conhecida por apresentar bons fundamentos.

Segundo essa (reportagem aqui), a gestora de fundos tinha posições vendidas. Nesse tipo de operação, você só ganha dinheiro se o preço das ações caírem. É uma forma de “apostar” contra a alta de preços de uma ação. Se os preços subirem você acaba tendo prejuízos.

A reportagem descreve que o relatório foi divulgado abertamente um dia antes do início do período de silêncio da empresa listada na bolsa que foi alvo do relatório, por conta da divulgação de resultados, agendado para 18 de fevereiro. Nesse período a empresa fica com sua comunicação restrita. A CVM e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional estão investigando o caso, segundo essa outra notícia, .

É normal para os fundos manter posições vendidas, até como proteção dos investimentos caso seus preços caiam. Também é normal para os fundos emitires opiniões sobre os investimentos que fazem, elogiando empresas e motivando os desatentos a comprarem ações que eles já compraram previamente.

A novidade seria o levantamento de suspeitas sobre a consistência dos resultados financeiros das empresas, onde o gerador do conteúdo acabaria se beneficiando financeiramente diante do pânico dos pequenos investidores. Sabemos que notícias ruins se espalham rapidamente.

É possível que essa prática se popularize, ou seja, assim como gestores costumam elogiar as ações em posições compradas (lucrando se as pessoas se motivarem a comprar essas ações) logo teremos gestores criticando e até questionando a veracidade dos fundamentos das empresas onde possuem posições vendidas (onde o lucro depende da queda do preço da ação).

No gráfico logo abaixo podemos ver o estrago provocado pelo relatório da gestora no preço da ação da empresa que teve seus fundamentos financeiros questionados. A queda chegou a -28% em poucos dias. A ação que custava R$ 45 no seu ponto máximo, despencou rapidamente até R$ 32 . O preço voltou para o patamar que era negociado na metade de 2019, justamente quando a reportagem descreve que a gestora começou a montar operações que se beneficiavam com a queda do preço das ações. É interessante observar que entre junho e julho de 2019 a ação chegou a registrar sua maior queda até então (-17%).

Agora perceba que isso foi um caso muito específico de uma prática que provavelmente vem sendo realizada sistematicamente, principalmente agora com redes sociais, influenciadores, corretoras e bancos sócias de sites de jornais e revistas. É claro que na maioria das vezes, o processo é feito de uma forma sutil, menos agressiva e pouco aparente.

Recentemente estamos observando uma onda de reportagens onde esses grandes investidores falam sobre bolha na bolsa, bolsa cara e crise na bolsa. Utilizando uma ferramenta do Google chamada Trends, coletei dados sobre buscas que as pessoas fazem sobre bolhas na bolsa de valores. Vamos ver o resultado:

A linha azul representa o índice Bovespa. Ele mede o desempenho das ações mais negociadas da bolsa. As áreas laranjas mostram picos de buscas no Google sobre bolhas na bolsa. Normalmente essas buscas são motivadas por notícias e entrevistas. São frequentes quando a bolsa está lateralizada.

O que percebendo é que o mercado sempre se apega a uma determinada notícia para justificar correções generalizadas nos preços das ações. Essas quedas, que podem demorar vários dias ou várias semanas, envolvem grandes movimentações de grandes investidores.

A notícia que tentam divulgar para justificar a queda na bolsa não importa muito. Pode ser qualquer notícia, podem ser boatos e expectativas exageradamente pessimistas que podem ou não se confirmar. Parece que o importante é ter alguma coisa para mostrar nos sites de notícias que possa motivar o pequeno investidor a participar do processo de correção dos preços das ações.

Veja as notícias que usaram para justificar os últimos movimentos de correção no índice Bovespa.

Com ou sem as notícias, esses processos corretivos sempre vão acontecer, pois grandes investidores simplesmente param de comprar determinadas ações quando os preços se afastam muito do preço que eles consideram justo. Normalmente esse preço de consenso está muito próximo dos preços médios.

No gráfico diário do índice Bovespa (logo acima), temos uma média móvel de 20 períodos (laranja) e uma média móvel de 100 períodos (azul). A média móvel de 20 representa o preço médio no último mês de negociações e a média de 100 representa o preço médio de 6 meses. Se você leu o meu livro sobre Análise Técnica, entende com profundidade a importância dessas e de outras médias.

O objetivo dos grandes investidores é comprar o máximo possível de ações de boas empresas quando elas estão transitando em seus preços médios, especialmente quando tocam ou ficam abaixo da média, sem a existência de fundamentos (análise fundamentalista) que justifiquem a queda do preço).

Não faz muito tempo que as pessoas discutiam a possibilidade de terceira guerra mundial envolvendo EUA e Irã (exemplo) e isso produziu efeitos nas bolsas do mundo inteiro. Agora vivemos mais um surto de gripe (já tivemos outros) e muitos discutem a extinção da humanidade, caso o vírus sofra uma mutação.

Se você acredita na possibilidade de uma terceira guerra e uma pandemia que matará grande parte da humanidade, por qual motivo se sentirá motivado a comprar ações? Mesmo que você não venda as que tem, você certamente ficará mesmos motivado a comprar.

Isso ajuda na correção dos preços (que vai acontecer com ou sem notícia) e permite as compras dos grandes investidores que sempre pagam bons preços por boas ações.

Já tivemos casos no passado (exemplo), onde a própria empresa e seus gestores se preparam antecipadamente para se beneficiarem de notícias que eles mesmos produziriam.

Por isso, é importante que você desenvolva a sua capacidade de avaliar as empresas onde investe, tomando o cuidado para não se deixar influenciar por gestores, executivos, sites de jornais e revistas que possuem como principais sócios as instituições financeiras: corretoras, bancos, grandes grupos empresariais etc.

A seleção de boas ações você faz através da análise fundamentalista. O estudo de bons preços e momentos para comprar ações de boas empresas você faz através da análise técnica. Vou continuar o tema no próximo artigo, falando sobre a relação entre o preço da ação e o lucro que a empresa gera por ação.

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