Cresce a circulação de boatos sobre a decisão do governo de confiscar a poupança dos brasileiros em 2015 ou 2016. Não é de hoje que as pessoas se preocupam com este assunto. Recentemente o número de boatos cresceu tanto que o Ministério da Fazenda foi obrigado a emitir uma nota para acalmar a população.
O gráfico abaixo foi gerado pelo Google Trends e mostra um crescimento nas buscas sobre “confisco da poupança” no Google.
Em 2015 diversas imagens falsas sobre o novo confisco da poupança começaram a circular pelas redes sociais.
O Ministério da Fazenda divulgou a nota abaixo para tranquilizar a população. (fonte)
Medo do confisco da poupança:
Aqueles com mais de 40 anos de idade lembram muito bem o que representou o confisco da poupança durante o governo Collor. Até as crianças lembram a situação difícil que seus pais enfrentaram durante aquele período. Em março de 1990 a Ministra da Economia Zélia Cardoso de Melo comunicou o bloqueio de todos os depósitos em conta corrente, caderneta de poupança e todas as aplicações financeiras da época que fossem acima de NCZ$ 50 mil (cruzados novos) ou cerca de R$ 6 mil nos dias de hoje. O dinheiro bloqueado foi devolvido depois de 18 meses corrigido pela inflação + 6% de juros ao ano. O que aconteceu em 1990 não foi um confisco. Se fosse um confisco o dinheiro não teria sido devolvido com juros e correção.
O vídeo mostra a ministra anunciando o bloqueio:
Este tipo de bloqueio não é um evento comum. Foi a primeira vez que isto ocorreu no Brasil. Não conheço outra situação no mundo em que um governo tenha bloqueado todos os ativos financeiros da população do dia para a noite. É uma decisão incomum que só se justifica em um cenário econômico de crise extrema.
Naquele tempo a inflação era de 81% ao mês e não de 7% ao ano como agora. O confisco retirou do mercado 80% da moeda em circulação, e a taxa de inflação caiu de 81% em março para 9% em junho. Em janeiro de 1991, nove meses após o início do plano a inflação já estava em 20% por mês mantendo o ritmo de crescimento.
O cenário econômico vivido naquele período era de “estagflação”, nome usado para definir a combinação de atividade econômica estagnada, ou em desaceleração, com inflação alta, ou em aceleração. Em condições normais, uma redução na atividade economia reduziria o consumo e frearia a alta dos preços.
Muitos economistas acreditam que estamos vivendo um período de estagflação (estagnação + inflação) como ocorreu antes do confisco da poupança no governo Collor, só que ainda em proporções bem menores. Lá fora a percepção sobre a situação da nossa economia também não é positiva (como você pode ver aqui). O pessimismo que já atingia empresários e investidores (brasileiros e estrangeiros), agora começa a atingir a população, como mostra algumas pesquisas que medem a popularidade do governo.
Confisco não funciona
O economista Delfim Netto costumava dizer que a equipe da Zélia transformou a economia do Brasil em uma “experiência de laboratório e os brasileiros em ratinhos.” O confisco com o objetivo de controlar a inflação foi um experimento que não deu certo. Zélia pediu demissão 14 meses depois e se mudou para os EUA. Em maio de 2000, foi condenada, em primeira instância, a 13 anos e quatro meses de prisão por corrupção passiva (fonte). Foi absolvida em 2006, por insuficiência de provas.
Já o Fernando Collor de Mello sofreu impeachment pelo Congresso por acusações de corrupção em um esquema de tráfico de influência, marcando o fim das tentativas do seu governo de acabar com a hiperinflação. O confisco não resolveu o problema da inflação e da crise econômica.
Collor também estava sendo investigado por corrupção e tráfico de influência. A insatisfação da população atingiu seu nível máximo quando Collor pediu para que as famílias pendurassem bandeiras do Brasil nas janelas. Ele queria uma demonstração de apoio da população. O problema é que o efeito foi contrário. As pessoas penduraram panos pretos nas janelas e foram para as ruas com adesivos e bandeiras com a mensagem “Fora Collor”. Muitos pintaram o rosto com as cores do Brasil e o movimento passou a se chamar “caras-pintadas“.
Veja o vídeo onde Collor pede uma demonstração de apoio com bandeiras nas janelas:
No próximo vídeo você verá a renúncia do Collor em dezembro de 1992, horas antes de ser condenado pelo Senado por crime de responsabilidade.
Governo populista
Confiscar a poupança dos eleitores não foi uma boa ideia. A desaprovação da população foi imediata. Muitos consideram o confisco como um grave erro político. Vivemos uma realidade onde os números das pesquisas de satisfação dos eleitores são mais importantes que os números da economia. Os políticos tomam decisões pensando na reeleição e não na solução dos problemas. Desta forma é difícil imaginar que o confisco possa ser utilizado no futuro, principalmente quando estamos sob o controle de um governo populista.
Segundo levantamento do Datafolha de março de 1990, quando Collor tomou posse, 71% dos eleitores tinham uma expectativa de que o governo federal fosse “ótimo” ou “bom”. Três meses depois, em junho de 90, esse percentual já havia caído para 36%. Collor terminou o seu governo com apenas 9% de aprovação popular.
Na última pesquisa Datafolha a presidente Dilma atingiu seu pior índice de aprovação desde que tomou posse, em janeiro de 2011. Atualmente, 23% dos brasileiros adultos avaliam a gestão da presidente como ótima ou boa, enquanto 44% a consideram ruim ou péssima. Há ainda 33% que avaliam o governo Dilma como regular (fonte). A prova de que a queda na popularidade é mais importante do que alta da inflação, escândalos de corrupção, crise econômica, energética e de água foi a reação do governo diante dos números negativos. Após ver sua popularidade despencar na pesquisa do Instituto Datafolha, a presidente Dilma estuda fazer um pronunciamento em rede nacional de TV (fonte).
É muito difícil imaginar que o atual governo tenha a intenção de confiscar a poupança. A reação popular seria imediata através de manifestações, greves e desordem social. Não vejo espaço para tolerância da população diante de um novo confisco. O governo que tentar confiscar ou bloquear a poupança das pessoas novamente estará cometendo um suicídio político.
A Constituição não permite mais o confisco:
A emenda constitucional de número 32 não permite a edição de medidas provisórias que viabilize o confisco da poupança desde 2001. O texto diz assim:
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: II – que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; (fonte)
Desta forma, no dia que o governo pretender confiscar ou bloquear a poupança das pessoas, isto não poderá ser feito do dia para a noite através de uma medida provisória. O assunto terá que ser debatido e votado. Dificilmente um deputado ou senador apoiaria um confisco. Seria o fim da sua carreira política.
Outro ponto importante é que o confisco só funcionaria se fosse feito de surpresa. Mesmo que todos os deputados e senadores votassem a favor do governo, a população teria tempo suficiente para tirar o dinheiro da poupança e dos investimentos. Isto provocaria um quebradeira generalizada dos bancos, já que eles não possuem o dinheiro de todos os correntistas disponível para saque. O dinheiro que você aplica na poupança ou em outros investimentos são emprestados para outras pessoas e empresas. Uma grande parte do dinheiro que os brasileiros aplicam na poupança são utilizados pelos bancos em financiamentos de imóveis. Os bancos só possuem uma pequena parte dos depósitos disponíveis por saberem que apenas poucas pessoas precisam do dinheiro no decorrer do tempo.
Imposto inflacionário:
O governo não precisa confiscar sua poupança para ficar com seu dinheiro. Ele pode se apropriar do seu dinheiro reduzindo o poder de compra do mesmo. É isto que muitos chamam de imposto inflacionário. Apesar da inflação não ser um imposto ela funciona como se fosse.
Veja como é fácil entender isso:
Vamos imaginar a situação em que o governo necessite de dinheiro para promover a política que mais gera votos e que mais perpetua um político no poder. Ela se chama “Panis et Circenses” ou política do pão e circo” (novos programas sociais, programas de distribuição de renda, novos serviços públicos “gratuitos”, novos eventos esportivos como Copa do Mundo, Olimpíadas, etc).
Para conseguir dinheiro para distribuir pão e circo seria necessário elevar impostos. Como o governo não produz riqueza ele precisa retirar riqueza da população. O problema é que elevar impostos é uma medida impopular. As pessoas gostam de receber benefícios, bolsas, serviços públicos gratuitos de qualidade, mas não gostam de pagar por eles através dos impostos. Não existe governo grátis.
Para evitar o aumento dos impostos e a desaprovação popular o governo utiliza outros mecanismos que resultam na emissão de moeda, ou seja, o governo resolve produzir dinheiro a partir do nada para poder gastar. O problema é que ao fazer isto ele está tirando o valor do dinheiro que já está no bolso das pessoas sem que elas tenham plena consciência disso.
Vamos imaginar que um governo qualquer resolva emitir novo dinheiro em uma quantidade equivalente a 10% do que já se encontra em circulação no país. O objetivo seria pagar contas, pagar dívidas, oferecer benefícios, etc. Com o tempo isto resultaria em uma inflação de 10% em época de estagnação econômica.
Dinheiro novo jogado na economia tira o poder de compra do dinheiro velho que já estava circulando.
Esta inflação de 10% significaria perder 10% do poder de compra do dinheiro da população, já que todos os preços dos produtos e serviços ficariam mais caros. Estes 10% de perda no poder de compra se materializaria em dinheiro recém-emitido no bolso do governo.
Com isto podemos dizer que o governo criou um imposto inflacionário de 10 % que foi pago por todos aqueles que tinham dinheiro em seu poder.
Não entendeu? Aqui vai outro exemplo bem didático:
Imagine que você acabou de fazer uma feijoada. Um parente liga e diz que vai visitar sua casa naquele dia. No lugar de preparar mais feijoada você resolve jogar água na feijoada que já estava pronta. Com isto você estará aumentado o volume da feijoada, só que será uma feijoada aguada, uma feijoada enfraquecida. Não será mais a mesma feijoada de antes. Uma parte desta feijoada aguada você guarda para você e serve a mesma quantidade que tinha antes na panela. O mesmo ocorre com o dinheiro.
Quando o governo produz mais dinheiro e joga na economia isto enfraquece o dinheiro das pessoas, ele perde poder de compra. O dinheiro deixa de ter o valor que tinha antes. No lugar de produzir dinheiro o governo deveria estimular a produção de riquezas (produtos e serviços), da mesma forma que seria melhor preparar mais feijoada do que jogar água na feijoada existente.
Com isto podemos enxergar a inflação como uma forma de tributação que não precisa ser aprovada pelo Congresso. É uma maneira de transferir recursos da sociedade para o governo sem que a mesma perceba que isto está acontecendo.
Para saber mais sobre imposto inflacionário na prática, veja esta notícia de 2002. Naquela época o Banco Central emitiu moeda para que o governo pudesse recomprar títulos públicos.
Conclusão:
Não acredito que o governo irá confiscar a sua poupança como ocorreu no governo Collor. Eles sabem quais seriam as consequências. Quem pretende se manter no poder para sempre não deseja perder popularidade.
O atual governo não precisa de confiscos ou de bloqueio de poupança para retirar dinheiro de circulação. Eles já estão reduzindo a circulação de dinheiro utilizando outros métodos. O que o Collor fez era fácil de ser entendido por qualquer pessoa. O que o atual governo está fazendo é mais difícil de ser entendido. Os dois tinham o mesmo objetivo que era controlar a inflação reduzindo a quantidade de dinheiro em circulação.
A inflação já está “confiscando” o poder de compra do dinheiro que a população deixa na Caderneta de Poupança, sem que ela perceba. Enquanto a poupança está rendendo 0,52% ao mês a inflação de janeiro/2015 foi de 1,24%. Já faz algum tempo que a poupança não consegue repor a perda do poder de compra do dinheiro provocada pela inflação.
O juro elevados também retira dinheiro da economia. Quem não tem dinheiro evita se endividar para não pagar juros elevados e com isto o dinheiro não circula. Quem tem dinheiro evita gastar agora para aproveitar os juros elevados oferecidos pelos investimentos de renda fixa e títulos públicos e com isto o dinheiro não circula. Juros elevados também desestimula os investimentos feitos por empresários.
O governo também pode retirar dinheiro de circulação aumentando impostos, como fez recentemente.
Como você pode ver existem muitas formas de tirar o valor do seu dinheiro e reduzir a quantidade de dinheiro em circulação na economia sem precisar bloquear a poupança dos brasileiros. Quanto menos as pessoas entendem como tudo isso funciona melhor para quem deseja se manter no poder.
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