Imagine que você acabou de perder o seu emprego. A sua principal fonte de renda deixou de existir ou foi dramaticamente reduzida por algum evento fora do seu controle.
Quanto tempo você teria para conseguir outro emprego antes de mergulhar fundo em um oceano de dívidas?
Para muitos brasileiros, perder o emprego hoje significaria um afogamento instantâneo nas dívidas.
Frequentemente as pessoas negligenciam a importância de reservas de dinheiro para garantir a sobrevivência básica, enquanto ganham tempo para buscar um novo emprego ou uma nova fonte de renda.
Existem pessoas que fazem ainda pior. Além da falta de reservas, elas colecionam dívidas no cartão, compras parceladas, financiamentos de veículos e imóveis.
É justamente através dessas dívidas, que elas encontram a “folga” necessária para construir um padrão de vida incompatível com a sua realidade. Isso coloca muitas coisas em risco.
Só quando o pior acontece (pior que é previsível), podemos comprovar a importância da prudência, principalmente em um país politicamente instável e economicamente problemático como o nosso. Existem sofrimentos que podem ser evitados.
Veja a mensagem que recebi de um leitor durante a semana:
Acompanho seus artigos desde 2015 e foi através deles que aprendi a poupar, a investir meu dinheiro no local que eu achava melhor e formar um senso crítico sobre as políticas econômicas do governo, entre outras tantas coisas, obviamente.
Hoje fui dispensado da empresa, uma multinacional que está passando por um momento turbulento. Portanto, o motivo da minha saída foi corte no quadro de funcionários.
Graças a você, me planejei para esse momento e fiz uma reserva de emergência para ficar, pelo menos, um ano com o mesmo padrão de vida que levo hoje. Então, fica aqui o meu muito obrigado, de verdade!
Desde o início da grave crise econômica que estamos vivendo, já perdi a conta dos e-mails que recebi descrevendo situações como essa. As mensagens retratam o alívio daqueles que escaparam, por pouco, de um grande sufoco. O mérito é totalmente dos leitores que se preparam para esses momentos difíceis.
Uma demissão repentina, sem as reservas que possam garantir tranquilidade até que um novo emprego seja conquistado, pode ser algo traumático, não só para você, mas também para seus filhos e cônjuge. Uma demissão não produz apenas problemas financeiros, muitos outros problemas podem surgir como consequência.
Observo que muitos desses e-mails que eu recebo foram escritos por profissionais qualificados que tinham uma boa renda. Profissionais com boa qualificação podem enfrentar dificuldades maiores para encontrar um novo emprego que ofereça as mesmas condições do anterior.
Uma boa reserva que permita procurar um novo emprego no decorrer de vários meses é fundamental para esse tipo de profissional.
Certamente é traumático ser obrigado a reduzir drasticamente o seu padrão de vida (que costuma ser elevado quando se é muito qualificado) e impor essa redução de custos para todos os membros da família, principalmente entre os filhos que nunca passaram por qualquer privação. Como mostrei no artigo anterior, as pessoas mais humildes conseguem se adaptar rapidamente e reverter a situação (quando possuem a mentalidade correta).
Para piorar a situação desse tipo de profissional qualificado, são justamente eles que possuem maior poder de endividamento. Se você tem uma boa renda e trabalha em uma grande empresa, é bem provável que seja muito assediado por bancos, empresas de cartão de crédito e financeiras oferecendo “oportunidades” de endividamento rápido, fácil e por prazos muito longos. As tentações são muitas.
É comum encontrar jovens muito qualificados, no início da carreira, que já possuem muitos anos ou até décadas de renda comprometida com o pagamento de prestações. Quando passam em concursos públicos, correm o risco de enfrentar a maldição dos consignados (leia aqui). São todos esses profissionais jovens e bem-sucedidos que mais negligenciam a importância de uma boa reserva para enfrentar emergências, pois são movidos por uma autoconfiança e muito otimismo sobre o futuro.
A crise que estamos passando foi a primeira grande crise na vida de muitos jovens profissionais, que não estavam no mercado nas décadas passadas. Muitos desses jovens estão assustados.
Você já vive no espaço e nem sabia.
Vamos fazer uma analogia. A vida moderna, dentro das grandes cidades, é totalmente desconectada da vida natural. O nosso nível de dependência é assustador. Dependemos da água tratada e encanada, dependemos da energia elétrica e tudo que precisa dela para funcionar, dependemos dos combustíveis (lembra da greve dos caminhoneiros?), dependemos dos remédios das farmácias e dos alimentos que podem ser comprados nos supermercados.
Nossa vida urbana é tão dependente de recursos externos que ela pode ser comparada com a vida de astronautas que orbitam a Terra em uma estação espacial. Tudo na estação espacial e na sua casa, vem de fora. Dependemos do dinheiro para ter todos os recursos que precisamos para viver. Quanto mais sofisticada for a sua vida, mais dinheiro será necessário. Não temos autonomia em praticamente nada dentro das grandes cidades.
Soltar um homem urbano na natureza, seria como soltar um passarinho que passou a vida inteira dentro de uma gaiola comendo ração. Ele não sobreviveria por muito tempo.
Enquanto você estiver empregado, recebendo uma boa renda mensal, bonificações, todos os direitos e benefícios que as empresas oferecem (principalmente as grandes empresas), você construirá um estilo de vida com padrão cada dia mais elevado. Quanto mais crescer na empresa, mais distante ficará da terra firme. Seu padrão de vida será tão elevado quanto sua renda e as dívidas forem capazes de produzir.
É como se você passasse a viver fora do planeta ou em outras camadas atmosfera. Os problemas financeiros e as questões básicas de sobrevivência ficarão cada vez mais distantes, enquanto existir cada vez mais renda e mais crédito. Da varanda do seu apartamento ou das janelas do escritório, os horizontes parecem imensos e as possibilidades de crescimento parecem infinitas.
Movido pelo otimismo, alguma coisa dentro de você poderá dizer que não é necessário ter qualquer preocupação com reservas de emergência. Pensar em uma demissão ou se preparar para ela são coisas que parecem atrair o azar.
Só que as coisas não funcionam exatamente dessa forma. O previsto e o imprevisto podem acontecer e somos muitos dependentes de tudo e de todos.
Na nossa analogia, ninguém espera que o universo conspire a favor da vida dos astronautas dentro da estação espacial. É por isso que a vida deles depende de muito de planejamento, prudência, inteligência, reservas, estoques, sistemas de segurança, sistemas de redundância e etc. Se tudo isso for esquecido, se qualquer descuido ocorrer, o universo mostrará a dura realidade para os astronautas. O mesmo ocorre na vida que temos dentro das grandes cidades.
Estar preparado para qualquer situação é sempre uma questão de sobrevivência. Sorte é o que os outros vão enxergar quando as coisas acontecerem e você estiver preparado para enfrenta-las.
Queda livre e a reentrada
Perder o emprego costuma ser descrito como perder o chão onde pisamos. Quem já passou por isso depois de muitos anos de estabilidade, sabe como é. As pessoas se sentem como se estivessem em queda livre. É como uma reentrada na realidade.
Se o desemprego significa o retorno para a terra firme, onde voltamos a nos preocupar com coisas básicas como “o dinheiro que precisamos para fazer a próxima refeição“, então, essa reentrada pode ser representada da seguinte forma:
Vamos imaginar que você perdeu o emprego ou sua principal fonte de renda. Você foi literalmente ejetado daquela maravilhosa estação espacial onde você tinha um padrão de vida seguro, estável e confortável.
Agora você precisa encontrar um novo emprego com urgência. Quanto menores forem suas reservas, mais urgente, desconfortável e apertada será a sua vida até encontrar uma nova oportunidade.
Na imagem acima temos três figuras, são três módulos de sobrevivência. A primeira figura representa a vida de quem enfrenta o desemprego ou alguma dificuldade financeira grave, tendo boas reservas de emergência e fontes alternativas de renda. A figura representa uma família prevenida para “orbitar” por um bom tempo, com tranquilidade, até encontrar um novo emprego.
Na segunda imagem temos um casal dentro de uma cápsula menor, sem fontes alternativas de renda, mas com uma boa reserva que permite autonomia para um bom tempo em “orbita” até que um novo emprego possa ser conquistado.
Já a última figura representa a vida de quem perde o emprego, sem ter qualquer reserva de emergência e fontes alternativas de renda. Essa pessoa sentirá o aperto imediato. Se um novo emprego não for encontrado com urgência, o desempregado não poderá “orbitar” por muito tempo. O seu destino será a reentrada na dura realidade daqueles que não possuem de onde tirar o básico para sobreviver. Voltamos para o mundo real das preocupações básicas de sobrevivência, como as sofridas pelos nossos antepassados mais distantes e que ainda assombram a vida de muitas famílias de baixa renda.
Certamente você não vai conseguir garantir a sua sobrevivência por muito tempo sem um novo emprego ou alguma fonte de renda, pois não existe mais autonomia na vida moderna. A cada dia que passa, a nossa vida está mais parecida com a daqueles que orbitam a Terra em uma estação espacial. Basta lembrar do caos que a sociedade enfrentou durante a greve dos caminhoneiros de 2018.
Dessa forma, quem não tem reservas e não consegue se recolocar rapidamente, vai acabar se chocando com um mar de dívidas.
Não tenho nada contra a vida urbana e toda a comodidade e conforto que ela pode proporcionar. Eu não poderia estar aqui escrevendo este artigo se a minha preocupação fosse cuidar de uma horta. Outras pessoas estão cuidando de hortas e aceitam dinheiro por uma parte do que produzem.
O único problema é não ter consciência de que vivemos cada vez mais dependentes e isso exige de nós mais recursos financeiros, planejamento e preparo para enfrentar qualquer adversidade.
A estabilidade é sempre uma ilusão. A vida é um ambiente instável, onde tudo muda, mas a prevenção é uma estratégia bem antiga e que funciona. Ela pode evitar muito sofrimento.
Assim como os astronautas estão preparados para enfrentar os imprevistos em suas estações de sobrevivência, o homem urbano também precisa estar preparado. Nunca dependemos tanto do dinheiro para manter a nossa qualidade de vida. Nossos antepassados dependiam bem menos, quando viviam no campo e tinham mais autonomia. Mesmo assim, eles não deixavam a prevenção e o planejamento de lado.
Se a sua vida está cada dia mais sofisticada e urbanizada, mais sofisticado deve ser o seu preparo para a manter a estabilidade dessa estrutura que você criou.
Se você estiver preparado(a), você pode tudo.
Veja o que disse Felix antes de saltar:
Eu queria que você pudesse ver o que eu posso ver.
Às vezes você tem que estar bem alto para entender o quão pequeno você é.
Estou voltando para casa agora.Felix Baumgartner.
Reflita sobre essas palavras quando estiver pensando sobre o seu emprego, sua renda e a possibilidade de um dia ser obrigado a saltar dele.