Você acredita que dívidas são dádivas ou problemas na vida? Gustavo Cerbasi, que é o autor de educação financeira que mais vende livros no Brasil, publicou um vídeo recentemente onde declara que “Ter dívidas significa que você está contando com o dinheiro de alguém para manter um padrão de vida que não caberia no seu bolso. Então é algo positivo. – Gustavo Cerbasi”

Diante desta e de outras frases do vídeo, resolvi exercitar uma habilidade nobre, que todos deveriam desenvolver, que é a capacidade de criticar ideias sem desrespeitar os autores dessas ideias. Infelizmente, temos a hábito de desqualificar e ofender as pessoas que pensam diferente de nós e isso diminui nosso potencial de crescimento como sociedade.

Gustavo Cerbasi é autor de 14 livros sobre educação financeira que juntos já venderam mais de 1.7 milhões de exemplares. Ele também já colaborou com a produção de três filmes (Até Que a Sorte nos Separe 1, 2 e 3) que foram assistidos por mais de 11 milhões de espectadores. Ele é formado em administração de empresas, com especializações no exterior. Já foi colunista da Folha, Gazeta Mercantil, Você S/A e agora escreve na Revista Época (fonte). É inegável a enorme contribuição do Cerbasi para a divulgação da educação financeira no Brasil desde o lançamento do seu primeiro livro em 2004.

Existem algumas ideias que o Cerbasi divulga em seus livros e artigos que eu critico, sempre respeitando sua pessoa e o seu legado. Em 2014 escrevi uma crítica sobre um artigo que ele publicou na Revista Época. Ele criticava a renda fixa em uma fase da economia em que o Banco Central estava subindo os juros sistematicamente (desde 2013) para combater a inflação que se fortalecia. Para ler as críticas que fiz em 2014 clique aqui, Você também encontrará o link para artigo que ele escreveu. Infelizmente alguns leitores do Clube dos Poupadores foram grosseiros com o Cerbasi na área de comentários do artigo. É claro que ele não gostou e deixou um comentário dando seus esclarecimentos e defendendo seu posto de vista. Por esse motivo, estou iniciando essa crítica ao vídeo do Cerbasi destacando a importância de debater ideias sem agredir e sem desqualificar.

Cerbasi começa seu vídeo acima (clique na figura acima para assistir) afirmando:

Muita gente acha que o problema de suas vidas são as dívidas. Mas dívidas não deveriam ser um problema. Dívidas são uma dádiva. Nada melhor do que contar com o dinheiro dos outros quando acaba o seu. Ter dívidas significa que você está contando com o dinheiro de alguém para manter um padrão de vida que não caberia no seu bolso. Então é algo positivo.

Na minha opinião são poucos os que acham que o problema de suas vidas são as dívidas. A maioria acredita que é melhor usar o dinheiro dos outros quando o próprio dinheiro acaba. É consenso entre os brasileiros de que dívidas são dádivas e por isso é comum observar pessoas orgulhosas por terem conseguido financiar um carro ou uma casa maiores do que suas rendas permitiriam comprar. Então isso é algo negativo e o resultado dos exageros é este aqui.

Penso que nada pior do que contar com o dinheiro dos outros quando o seu dinheiro acaba, embora poucos brasileiros concordem com isso. Nada pior para as finanças pessoais de uma família do que tentar manter um padrão de vida incompatível com a própria renda, contando com o dinheiro alheio, pagando juros e taxas absurdamente elevadas.

É lamentável observar que as famílias passam a vida toda trabalhando para pagar juros e taxas de dívidas. Grande parte das riquezas que produzem durante décadas são desperdiçadas nestes pagamentos. O mais angustiante é que o mau exemplo vem de cima. Basta observar a maneira com que os governantes tratam o orçamento público e a dívida pública. Vivemos uma grave crise econômica graças a políticos irresponsáveis com as contas públicas e que também acreditam na “dádiva” que é gastar o dinheiro dos outros.

O Estado gasta mais do que arrecada e ainda estimula as famílias a fazerem o mesmo. O resultado dessa mentalidade resulta em uma penalização generalizada (impostos, inflação e juros altos) de uma sociedade que valoriza mais o endividamento do que a poupança e que prefere o consumismo no lugar do investimento.

Cerbasi diz:

O problema só começa a acontecer quando as dívidas são impagáveis ou não cabem no orçamento. É o que acontece quando elas são contraídas por falta de planejamento ou quando elas fogem o controle, com aquelas dívidas que tem o efeito de bola de neve.

As famílias acreditam que “ter dívidas é contar com o dinheiro dos outros para ser feliz hoje”. O resultado de uma população sem educação financeira, e que carrega esse tipo de crença, é que 6 em cada 10 famílias estão endividadas neste momento. Quase 20% estão com as contas atrasadas. 75% estão com dívidas nos cartões de crédito (fonte). Isso fica mais grave diante da elevada taxa de desemprego da atualidade (fonte).

Qual é o planejamento financeiro pessoal que consegue manter uma dívida pagável, com cartões de crédito cobrando juros de 410% ao ano? Não adianta procurar outras opções de “crédito barato”. Não existe crédito barato para pessoas físicas no Brasil. No cheque especial os juros são de 255% ao ano. Nas vendas parceladas do comércio, os juros são de quase 95% ao ano. No financiamento de veículos a taxa passa dos 30%, mesmo sendo o carro uma garantia do banco. Se a pessoa procurar um empréstimo pessoal em bancos terá que pagar 70% ao ano de juros. Se a pessoa procurar as pequenas financeiras terá que pagar 157% de juros ao ano (fonte). No país com os maiores juros reais do planeta, não existe dívida vantajosa para a pessoa física.

Cerbasi disse que dívidas sempre serão positivas quando feitas para construir renda. Ele diz:

Posso contrair uma dívida para comprar um equipamento que vou usar no meu trabalho, para comprar um veículo que vai me levar para um trabalho, que vai permitir montar um negócio, que vai permitir pagar estudos. Quando estou criando renda, com a dívida que foi contraída, estou agregando valor na minha vida. O custo da dívida se paga com a renda que virá a mais.

Também penso de uma maneira diferente. Se você, como pessoa física, tem planos de montar um pequeno negócio, você deveria buscar alternativas para iniciar da forma mais enxuta possível. Fazer uma pequena economia mensal por alguns anos seria suficiente para conseguir dinheiro para montar seu pequeno negócio de forma planejada e responsável.

O maior problema do pequeno empreendedor é abrir seu negócio acreditando que o caminho mais fácil será assumir dívidas. Negócios são atividades de risco elevado quando você está usando seu próprio dinheiro. Quando você resolve empreender usando dinheiro emprestado, você potencializa o risco, ou seja, você está iniciando um negócio alavancado. Será necessário mais esforço e mais tempo para atingir o ponto de equilíbrio.

Se você investir seu próprio dinheiro, sem dívidas, e não der certo, você perde o seu dinheiro e o problema termina ali. Se você investe dinheiro emprestado e o negócio não der certo, você perde o dinheiro que investiu e ainda fica com uma dívida que crescerá diariamente, juros sobre juros, como uma bola de neve. Será o início de muitos problemas que podem comprometer suas finanças e a qualidade de vida da sua família por muitos anos.

Abrir negócios é para quem pode, ou seja, para quem busca conhecimento, para quem se prepara, para quem faz um sacrifício inicial para poupar o dinheiro necessário para empreender. Como mostrei no meu último artigo, abrir um negócio é um investimento de maior risco que você faz depois de se educar financeiramente e de acumular recursos suficientes para empreender. Para quem pretende empreender por necessidade (exemplo: você foi demitido do emprego) todo cuidado é pouco. Dicas básicas da Mara Luquet no Jornal da Globo ajudam mais do que começar empreendendo fazendo dívidas.

Não podemos confundir a realidade de pequenos empreendedores com os negócios de grandes empreendedores. Os pequenos devem começar enxutos e sem dívidas para que possam ter bases sólidas. Já as grandes empresas só iniciam negócios baseados em grandes dívidas. Grandes empresários conseguem dinheiro de bancos públicos (subsidiados pelo governo), bancos privados e de investidores (quando emitem ações, vendem debêntures ou fazem sociedades). Os prazos para pagamento são longos e os juros são absurdamente baixos quando comparamos com os juros cobrados de pessoas físicas e pequenos empresários. Por vários anos o BNDES, através do programa PSI, emprestou bilhões de dinheiro público para grandes empresas (amigas do governo) cobrando juros abaixo da inflação. Muitas conseguiram taxas de 2,5% ao ano (fonte). O programa ficou conhecido como Bolsa Empresário (fonte). Neste caso específico, juros de 2,5% ao ano com décadas para pagar a dívida são verdadeiras dádiva.

O melhor caminho para quem pretende abrir um negócio é planejar com antecedência, poupar, investir e contar com a ajuda dos juros compostos para conseguir o dinheiro necessário para iniciar de forma enxuta, sem dívidas, com o menor risco possível. Dívidas para empreender são uma dádiva em países desenvolvidos onde os juros estão próximos de zero ou quando você é um grande empresário e consegue juros subsidiados com dinheiro público (nossos impostos) através de governos irresponsáveis com as contas públicas. O problema é que no final toda a sociedade paga a conta da irresponsabilidade com o orçamento público. Não existe almoço grátis.

Cerbasi lista outra situação onde dívidas são boas, segundo a opinião dele:

Outra opção é quando a dívida preserva seu planejamento. Digamos que eu esteja poupando dinheiro regularmente para a faculdade do meu filho, para um intercâmbio, para um projeto futuro ou para minha aposentadoria. Se acontecer um imprevisto eu recorro ao cheque especial, ao empréstimo, ao recurso que me ajude a manter o equilíbrio.

Sou totalmente contra o uso de cheque especial ou qualquer outra modalidade de crédito como reserva de emergência para preservar investimentos que você está fazendo pensando no futuro. Quem faz isso é aquele que não recebeu educação financeira suficiente para compreender a importância de ter suas próprias reservas para emergência (já falei sobre isso aqui) e as provisões financeiras (que já falei aqui). A primeira é a sua própria proteção contra imprevistos. A segunda é o dinheiro que você guarda para aquelas despesas previsíveis ou para repor bens que certamente irão quebrar ou depreciar com o tempo. Com juros de 255% ao ano ninguém deveria imaginar a possibilidade de usar o cheque especial para proteger qualquer investimento ou garantir equilíbrio das contas. Para esse tipo de proteção devemos ter nossas reservas pessoais. Quando iniciamos nossa própria educação financeira precisamos começar por nossas reservas e provisões. Essa é a parcela do nosso dinheiro que ficará em investimento de baixo risco e de grande liquidez para que seja utilizado quando ocorrer algum imprevisto.

Cerbasi conclui recomendando a venda de objetos usados:

Uma opção que eu tenho, se eu me vejo no vermelho, no caso de acontecer um imprevisto e vejo que está faltando recursos na conta, eu vou tentar vender alguma coisa que eu tenho em casa, para me desfazer de algo que eu tenha que possa virar dinheiro, ou vou tentar substituir essa dívida por outra mais inteligente.

É difícil de acreditar que o Cerbasi não tenha suas reservas financeiras para imprevistos. No vídeo, ele deu a impressão de que usa essa estratégia de vender coisas usadas sempre que ocorre um imprevisto na vida dele. Dinheiro aplicado na renda fixa como reserva de emergência é uma solução mais inteligente do que vender objetos usados depreciados em sites na internet. O pior é que existem pessoas que acreditam nesse tipo de solução. No momento do aperto financeiro as quinquilharias não possuem liquidez, são difíceis de vender e você terá que se desfazer oferecendo as coisas que possui por preços absurdamente baixos. Inclusive é isso mesmo que os negociadores de dívidas (de bancos e cartões de crédito) recomendam que as pessoas façam, diante do desespero de ligações constantes de cobranças de dívida. Para o cobrador de dívida, pouco importa se a sua geladeira é útil ou se o seu carro é importante para sua família. Para eles o que importa é que você consiga dinheiro de alguma forma para pagar a dívida e os juros surreais que são cobrados.

Outra frase polêmica do Cerbasi:

Se você usa com inteligência, dívidas sempre serão uma alavanca para aumentar a sua riqueza e viver melhor. Sem aquela loucura de não contrair dívida alguma, de sempre poupar ou não contrair nenhum tipo de obrigação.

Minha opinião é totalmente oposta. Se as pessoas forem inteligentes, perceberão que dívidas são alavancas de empobrecimento. Os juros e as taxas que você pagaria durante uma vida, para sustentar bancos e financeiras, poderiam ser utilizados para aumentar o seu patrimônio, para gerar renda passiva (juros sobre juros) nos seus investimentos. Isso poderia melhorar a qualidade de vida da sua família.

Dívidas são alavancas de riqueza quando você for o credor e não quando for o devedor. Você enriquece quando as pessoas devem para você e não quando você deve para as pessoas. Banqueiros enriquecem emprestando o seu dinheiro para os outros. São os outros que precisam trabalhar mais para pagar os juros que você recebe quando faz um investimento financeiro (emprestando dinheiro para os bancos ou para o governo).

No Brasil, vender produtos é apenas um pretexto para vender crédito. Grandes lojas de eletrodomésticos, grandes lojas de moda e fabricantes de automóveis lucram mais vendendo crédito do que vendendo produtos. É por isso que a maioria possui o cartão próprio da loja, a maioria estimula que você compre parcelado ou financiado no lugar de comprar à vista. Os empresários sabem que podem ganhar duas vezes. Eles podem ganhar vendendo o produto e emprestando o dinheiro para que você compre. Quando você compra qualquer coisa através do crediário de uma loja ou de financiamentos, você está pagando duas vezes. Isso faz você empobrecer se comparado com quem poupa, recebe juros e paga à vista negociando descontos. As pessoas não percebem que passam a vida toda trabalhando para pagar juros e taxas, transferindo sua riqueza para os outros.

No final o Cerbasi fala sobre loucura: “…sem aquela loucura de não contrair dívida alguma, de sempre poupar ou não contrair nenhum tipo de obrigação.”

Na minha opinião, contrair dívidas no Brasil, com as taxas que são praticadas, é uma verdadeira loucura.

A maioria que não poupa e vive contraindo dívidas é vista como normal pela sociedade.
A minoria que poupa e não contrai dívidas é vista como louca.

Quem poupa e evita dívidas, vive uma vida tranquila.
Quem não poupa e está sempre acumulando dívidas, chama a loucura de vida.

Você prefere ser normal ou louco?

Prof. Hermógenes dizia: Deus me livre de ser normal!

Nota final: O que fazemos é mais importante do que aquilo que falamos. Apesar de ter criado esse vídeo onde tenta mostrar que dívidas são dádivas, nesse outro vídeo, onde Cerbasi conta a sua vida, a história é bem diferente. Você verá que dívidas não fizeram parte da história dele. Em diversos momentos ele fala sobre os sacrifícios que fez para conquistar sua independência financeira.

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