O apetite sensível é o que nos aproxima dos animais e o apetite racional é o que nos difere deles.
Vamos entender nesse artigo que muitas pessoas se deixam escravizar pelos apetites sensíveis por viverem em uma desordem do apetite racional.
Isso acaba sendo uma fragilidade pessoal largamente explorada por mercados, que movimentam montanhas de dinheiro diariamente. Todos esses mercados possuem alguma relação com os vícios que comentamos na série de artigos sobre soberba, inveja, gula, preguiça, luxúria, avareza e ira. Esses vícios são sempre algum tipo de desordem dos apetites (desejos). Todos esses vícios podem, de alguma forma, prejudicar seus planos para o futuro. Isso está totalmente relacionado com a sua situação financeira.
O apetite sensível e o apetite racional descrevem aspectos do desejo humano e da tomada de decisões relacionadas à busca de sua satisfação.
Apetite Sensível:
O apetite sensível é associado às emoções, impulsos e desejos imediatos do ser humano, mas que também fazem parte da vida de todos os animais, até mesmo dos insetos.
Ele se concentra nas necessidades e desejos sensoriais, como fome, sede, prazer, conforto físico e gratificação instantânea.
Ele também é responsável por nossas emoções, como o medo, a raiva, a alegria e a tristeza.
Podemos resumir o apetite sensível como a tendência do corpo a buscar o que é agradável e a evitar o que é desagradável não importando os meios e nem consequências de longo prazo. O desejo de ter uma vida gostosa e confortável não torna ninguém especial, pois esse tipo de “felicidade” existe até entre os insetos.
O apetite sensível é sobre o apetite do corpo.
Apetite Racional:
O apetite racional é o que nos motiva a tomar decisões boas, belas e justas gerando em nós e nos outros algum tipo de felicidade que só humanos conhecem.
Está ligado à capacidade de fazer escolhas baseadas na razão de forma ética e moral, considerando os efeitos imediatos e de longo prazo.
Um animal, por não ser dotado do apetite racional, não toma decisões que geram um sacrifício hoje para ter um benefício amanhã. Neles não existe a ideia de sacrifício e muito menos a percepção sobre a existência do “amanhã”.
Viver apenas o momento presente, sem considerar o sacrifício e o futuro (como algumas filosofias e religiões orientais defendem) apenas nos aproximam do comportamento primitivo.
Animais não conhecem julgar se as consequências de suas ações são boas ou más, justas ou injustas, belas ou horrendas de forma que possa se orgulhar ou se envergonhar.
O que caracteriza a história e a tradição dos nossos ancestrais (povos ocidentais) é a luta e o sacrifício para a construção de um futuro melhor para as novas gerações. Essa é a ideia que fundou e fez crescer o ocidente, principalmente nos últimos 2 mil anos de tradição presente na vida de todos nossos avós, bisavós e antepassados distantes. Somos todos filhos de pessoas que admiravam aquele que fez o maior de todos os sacrifícios pessoais para a construção de um mundo melhor.
Para ilustrar o que é a satisfação do apetite racional, assista ao vídeo curto logo abaixo. Ele mostra o exemplo de uma decisão que satisfaz o apetite racional, produzindo a verdadeira felicidade ou um tipo de satisfação que você jamais encontrará nos apetites sensíveis.
Troque o “fazer o gol” por “atingir um objetivo pequeno” no seu trabalho, na sua vida financeira ou nas suas relações com as pessoas.
Frequentemente atingir esses pequenos objetivos está relacionado com a satisfação de um apetite sensível. Fazer mais um gol e ganhar a partida do dia é um objetivo de curto prazo que vai te aproximar de uma situação prazerosa (pequena vitória) e te afastar de uma situação desconfortável (derrota) naquela partida.
O que o jogador do vídeo fez, foi trocar uma pequena e temporária gratificação que satisfaz o apetite sensível, por uma satisfação maior de longo prazo que atende o apetite racional.
Você certamente percebeu que existe beleza na decisão do jogador de sacrificar o gol e por esse motivo o vídeo original viralizou nas redes sociais.
O narrador resumiu o sentimento das pessoas que assistiram ao vídeo dizendo: “Ele é aplaudido aqui no ginásio […] porque ele é um homem”. Depois o narrador comentou que a decisão do jogador renova as esperanças na humanidade.
O jogador sacrificou o apetite sensível (fazer o gol) para satisfazer o apetite racional que se refere a fazer o que é bom, belo e justo.
O narrador diz que todos sabem o quanto o jogador queria fazer o gol, mas ele escolheu deixar um grande exemplo para a sua filha Martina e sua esposa Thaís.
O jogador trocou um bem temporário e curto (momento presente) por um bem maior e eterno que poderá ser admirado por gerações futuras.
Se o jogador tivesse escolhido um bem menor, seria mais um gol sem qualquer significado e que seria esquecido.
As pessoas buscam cada vez mais a satisfação e a felicidade nos apetites sensíveis (curto prazo) por ignorar a existência de uma enorme satisfação e felicidade nos apetites racionais (longo prazo).
Essas pessoas passam a vida inteira trabalhando para gastar tudo que ganham com bens menores, sem assumir o sacrifício e sem qualquer significado de longo prazo.
Por toda parte as pessoas são estimuladas (pelas propagandas) a focarem suas vidas somente nos apetites sensíveis ou nas pequenas satisfações de curto valor do momento presente. Depois essas mesmas pessoas precisam buscar algum tipo de ajuda psicológica, pois sentem uma falta de sentido ou de significado na própria vida. Lá no fundo elas percebem que estão vivendo apenas para satisfazer apetites sensíveis do momento presente.
O apetite racional é a capacidade da vontade de buscar o bem. É isso que nos difere dos animais, pois nos exige fazer um sacrifício no presente.
O apetite racional é responsável por nossas escolhas e decisões morais. Envolve a avaliação das consequências de uma ação e a tomada de decisões para satisfazer necessidades e desejos de curto prazo de uma maneira mais equilibrada e consciente.
O apetite racional pode resistir ao apetite sensível (impulsos instintivos e emocionais) e buscar a realização de objetivos de longo prazo em vez de ceder a gratificações instantâneas.
O apetite racional é sobre o apetite da alma. Para facilitar o entendimento criei uma tabela:
Característica | Apetite Sensível | Apetite Racional |
Caráter: | Físico, sensorial |
Intelectual, moral
|
Objetivo: | Bem-estar físico |
Bem-estar moral
|
Guiado por: | Sentidos | Razão |
Responsabilidades | Necessidades básicas, emoções |
Escolhas e decisões morais
|
Embora alguns animais possam demonstrar comportamentos que parecem envolver um certo nível de tomada de decisão, essas ações são instintivas e limitadas em comparação com o que os seres humanos podem alcançar com o apetite racional.
O animal é incapaz de se sentir feliz por ter escolhido fazer um sacrifício para praticar um ato bom, justo e que pode ser visto e entendido por todos como belo.
Existe um sério problema quando as pessoas possuem o seu apetite racional desordenado, pois ele deveria ser aquele que “dirige” o apetite sensível (e não o contrário).
Homem sobre cavalo, cavalo sob homem:
Para ilustrar, podemos imaginar que o correto seria o seu apetite sensível se comportando como se fosse um cavalo forte e adestrado que te ajuda a atingir os objetivos da sua vida. O seu apetite racional seria o cavaleiro que conduz, ordena e dá direção ao cavalo.
Pela lógica, o cavaleiro deve montar o cavalo e nunca o contrário. É claro que esse cavalo deve ser bem tratado, ele merece carinho e atenção para que esteja bem, forte e saudável. Só que esse cavalo deve ser obediente, deve estar treinado para receber e executar as suas ordens, pois quem dita o que é bom, certo e justo é o cavaleiro e não o cavalo. Dessa forma, você terá o seu lado animal te servindo (e não o contrário).
Você deve treinar e adestrar o seu lado animal (apetites sensíveis) para que um dia você possa largar as rédeas, como o cavaleiro templário da imagem acima. O cavalo da figura acima está tão adestrado que já sabe o que deve ser feito, permitindo que o cavaleiro largue as rédeas e segure firme sua lança e o seu escudo na batalha diária sem se preocupar com o cavalo. Se o cavaleiro estivesse mais preocupado em segurar as rédeas do cavalo para controlá-lo, certamente não teria condições de lutar e a imagem acima não iria transmitir a beleza que transmite.
O problema é que, na atual sociedade, as pessoas estão invertendo a ordem das coisas.
Por toda parte você encontra pessoas com o lado animal “montado” sobre o lado humano. É como a escultura abaixo que retrata um jumento que monta um homem. Nesse caso, o lado animal das pessoas está usando a lado humano (racionalidade e a inteligência) apenas para satisfazer prazeres e desejos de curto prazo sem preocupação com as consequências. Logo as pessoas se comportam de forma animalizada e viciadas em seus apetites sensíveis que são vivenciados ao extremo e sem qualquer controle.
Se o jumento estiver montado sobre o homem, a luta estará perdida. Logo a vida perderá o sentido, pois nada é mais triste e fora do propósito humano do que ficar o tempo inteiro perambulando na vida por um capim diferente, uma jumenta diferente ou uma sombra diferente para se recuperar dos excessos. Não é à toa que a figura do jumento montado no homem é uma situação que parece feia, má e injusta. Toda vez que o apetite sensível monta o apetite racional, temos a percepção de que alguma coisa está muito errada.
O problema é que o jumento que monta o homem usa a inteligência para criar uma narrativa que justificam a desordem dos apetites sensíveis. Existem pessoas que relativizam a obesidade (gula), que falam sobre ódio do bem (ira), que defendem a preguiça e seguem um estilo de vida preguiçoso com orgulho, que defendem uma vida sexual desregrada e sem responsabilidades com as consequências (luxúria), que possuem uma vida baseada na inveja (dos que prosperam e enriquecem) e na soberba de homens fracos urbanos que se sentem superiores em suas escolhas.
Desordem do querer, poder e dever:
O animal apenas quer. O homem avalia se aquilo que se quer é possível, bom e justo.
A relação entre querer, poder e dever com o apetite sensível e apetite racional pode ser explicada da seguinte forma:
- Querer é um impulso ou desejo que nos leva a agir. Pode ser motivado por fatores diversos, como necessidades físicas, emoções ou valores. Nem tudo que você quer, você pode.
- Poder é a capacidade de realizar algo. Está relacionado com nossas habilidades, recursos físicos, recursos financeiros e circunstâncias. Nem tudo que você pode, você deve.
- Dever é uma obrigação moral ou legal. Está relacionado com o que é certo ou errado, o que devemos ou não fazer. Nem tudo que você deve, você quer.
Se você sente que se comporta frequentemente como um jumento sobre um homem, considere utilizar essas três reflexões listadas acima. Quando as pessoas, empresas ou as situações da vida perguntarem: “Você quer?” Responda da seguinte forma: “Querer eu quero, mas não sei se posso e se devo”. Tenha cuidado com a astúcia do seu jumento interior.
É muito lucrativo fazer as pessoas acreditarem que a felicidade está na satisfação ilimitada e desregrada dos apetites sensíveis, pois pode demorar muito tempo para que elas sintam o vazio existencial. E mesmo quando o vazio chegar e muito dinheiro for gasto, elas vão movimentar o mercado de autoajuda, cursos, palestras, seitas, sessões intermináveis dentro de consultórios, medicamentos controlados, drogas lícitas e ilícitas.
É por isso que vivemos uma espécie de processo de “idiotização” da sociedade. Tudo de mais idiota, instintivo, sensual e imoral cresce e se torna um grande sucesso fora e dentro da internet.
Nos próximos artigos vou começar a falar sobre as virtudes. Desenvolvendo virtudes, todos perdem, menos você e sua família que vão economizar tempo, dinheiro e energia ao jogar fora grande parte do que vendem como sendo fonte de felicidade.
Segundo Santo Tomás de Aquino, as pessoas não nascem virtuosas, elas nascem com a capacidade de serem virtuosas, mas precisam de esforço e ajuda para desenvolver essa capacidade. As virtudes são hábitos bons que nos ajudam a agir de acordo com a razão da busca de tudo que é bom, belo e justo. Tenha a certeza de que nada disso é lucrativo ao ponto de fazer alguém se esforçar a convencer você de que o importante é ser um virtuoso e não um viciado.
As pessoas podem desenvolver as virtudes, somente se estiverem dispostas a pagar o preço (sacrifício).
Por fim, deixo o conselho do velho homem de barba, que poderia ser o pai ou o avô forte que nem todos tiveram a sorte de ter na vida. Tome a decisão certa e prepare-se para ficar sozinho. O sacrifício da mudança começa em você e não nos outros. Se você pensa em ter sucesso financeiro ou sucesso em qualquer área da vida, tudo começa mudando você mesmo, pois nada você pode fazer pelos outros como pode fazer por você.
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Leandro, a liberdade financeira é impossível sem virtude. O homem pode ser rico e escravo das suas paixões. Inexiste liberdade sem virtude. Santa Catarina nos ensina: “Senhor, tira de mim a liberdade de de te ofender.” Isso é liberdade.
É isso mesmo Carlos.
SÉRIE VÍCIOS CONCLUÍDO COM SUCESSO. AVANTE AGORA PARA AS VIRTUDES!!
OBRIGADO.
Obrigado Paulo
Muito bom mesmo seu texto, meu amigo. “Não existe sucesso longe de uma vida reta.”
Olá Kássia, é isso mesmo.
Absolutamente inteligente, sensato, decente e fora do gosto da maioria não só dos jovens, mas dos jovens, adultos e de boa parte dos idosos de hoje.
Parabéns pela evolução, em todos estes anos que te acompanho, dos seus textos que, inicialmente, eram técnico-financeiros (muito bons) e transcederam para os verdadeiros alicerces que qualquer pessoa deve ter para melhorar como pessoa e, secundariamente, ser capaz de estruturar financeiramente sua própria vida.
Obrigado, Climério.
Tenho achado essa série de artigos (que conduzem a expansão de consciência e resgate de valores) muito inteligente e bem escrita, e gostaria muito que uma massa crítica de brasileiros pudessem refletir sobre ela! Belo trabalho Leandro!
Olá, Thales. Fico feliz por ajudar de alguma forma nessas reflexões.
Graças a Deus aprendi cedo os significados corretos de duas palavras que, para grande número de pessoas ,soam atemorizantes : APOCALIPSE ( REVELAÇÃO) e SACRIFÍCIO (TORNAR SAGRADO).
Gratidão pelo excelente texto, que nos auxilia na busca da verdadeira prosperidade, nesses tempos apocalìpticos que nos exigem imensos sacrifícios.
Um grande abraço fraternal.
Obrigado Luciana
Olá Leandro. Belíssimo texto.
Tenho a impressão que cada vez mais a sociedade está se transformando na mesma que é retratada no filme Idiocracia.
Cada vez mais vejo que a infantilização e a imbecilização das pessoas está vindo com força e não acho que é por acaso. O objetivo é controle e manter as pessoas inertes, escapando das situações desconfortantes da vida, onde se pudessem ser vistas por outro ângulo, seriam uma excelente oportunidade de crescimento, seja ele moral, espiritual ou até mesmo terreno.
Que Deus te abençoe.
Olá, Bruno. Obrigado pelo comentário. A imbecilização tem método.
Olá Leandro. Como sempre, mais um excelente texto. Gostaria de saber se você pensa em transformar essa série de artigos em um livro.
Continue fazendo este trabalho. Obrigada.
Olá, Daniela. Muitos leitores estão pedindo isso. É possível que se torne um livro, já que venho aprofundando cada vez mais meus estudos sobre esses assuntos.
Este texto me levou a uma reflexão: tanto eu pensei, quando vi que algum dos que comentaram falou da necessidade de que mais pessoas tivessem contato com essas ideias e com as virtudes. Mas ao fim de teu texto e com a fala de nosso “avô emprestado” ponho-me a pensar: será que realmente precisamos de expansão? Quantos que falam, defendem e executam atos horrendos hoje não o fazem por uma “virtude” – o exemplo mais claro disto é o “ódio do bem”? Será que antes de querer levar virtudes para os outros, não devemos marcar fundo em nós estas virtudes? Devemos ouvir mais os comissários de bordo – “coloque a sua máscara antes de ajudar a pessoa ao lado”? Um abraço e sucesso!
Olá, Jorge II. É exatamente isso.